PULSAR - COMPANHIA DE DANÇA CONTEMPORÂNEA
     
 

PULSAR - COMPANHIA DE DANÇA CONTEMPORÂNEA
entrevista a João Luiz Pacheco Mendes

A Pulsar é uma jovem companhia de dança contemporânea carioca que, em cinco anos de existência vem se destacando pela qualidade dos espetáculos que apresenta e pelas propostas desafiadoras de seu repertório. É uma das primeiras companhias de dança brasileiras a incluir bailarinos portadores de deficiência em seu elenco, desenvolvendo pesquisas de movimentos e coreografias que qualificam sua dança como arte. Nesta entrevista, Blocos reuniu dois membros fundadores da Pulsar, Teresa Taquechel e Rogério Andreolli, para falarem da trajetória da companhia e suas perspectivas para o futuro.

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JLPM – Como se deu a criação da Pulsar, desde a sua idealização?

TERESA TAQUECHEL - Foi um longo processo que começou com minha formação em dança contemporânea. Depois, fui graduada em Reabilitação Motora Através da Dança, pela Escola de Dança Angel Vianna, no Rio de Janeiro, e, em seguida, entre 1990 e 1991, tive contato com Bruce Curtis, um bailarino tetraplégico. Foi assim que eu comecei a vislumbrar a questão da dança com pessoas portadoras de deficiência.

Minha amiga Beth Maia fez comigo um curso do Bruce, e, depois, foi para Brasília trabalhar no Hospital Sarah, levando como material a pesquisa que desenvolvemos com ele. O pessoal do Hospital adorou o trabalho e resolveu contratar mais gente para desenvolvê-lo. Houve, então, um concurso. Eu fui pra lá e fiquei trabalhando com dança e consciência do movimento por um ano. Essa foi a primeira semente da Pulsar. Ainda que fosse só um trabalho terapêutico, foi importante para eu aprofundar-me na questão da deficiência. Eu convivi com paraplegia, tetraplegia, transitei em CTI, lidando, às vezes, com pessoas que só conseguiam mexer a cabeça. Isso me deu uma bagagem muito grande.

De volta ao Rio, resolvi montar, junto com Alexandre Franco, a Ra Tame Tanz, uma companhia de dança que não tinha nada a ver com deficiência, mas, paralelamente, continuei prestando atendimento terapêutico a deficientes. Nós dois dirigíamos a companhia. Ele também era coreógrafo, e eu, bailarina, assistente de coreografia e direção; ou seja, além de desenvolver-me artisticamente, me dediquei a outras funções como correr atrás de patrocínio e tudo o que uma companhia precisa. Após sete anos, eu propus a Alexandre continuar na companhia apenas como bailarina. Na mesma época, conheci Beth Caetano, uma bailarina tetraplégica que também já dançava há algum tempo, e montamos, juntas, uma turma de dança; na verdade uma turma de pesquisa com pessoas deficientes e não deficientes. A princípio, Beth queria trabalhar a inclusão do deficiente. Depois, nos propusemos a trabalhar a troca, uma vez que Beth, cansada do gueto e da síndrome do deficiente, queria ampliar o universo dela. Só que ela preferia manter-se em trabalhos restritos à pesquisa, enquanto eu, mais acostumada à disciplina de bailarina, queria, mesmo, coreografar e ensaiar.

Nesse meio tempo, Rogério Andreolli entrou para a turma e nós dois começamos a dançar juntos. Mas Rogério também só queria dançar para manter-se, fisicamente. Eu que sempre me encantei com a questão do movimento, via qualidades bárbaras nos movimentos dele. Qualidades que ele, a princípio, chamava de qualidades erradas.

ROGÉRIO ANDREOLLI – No início, eu não gostava da idéia de explorar algo que eu considerava feio. O deficiente tem uma forma de se movimentar diferente, e eu buscava adequar o meu movimento ao mais próximo, digamos, da normalidade.

TERESA TAQUECHEL – Rogério começou a aceitar melhor os próprios movimentos depois de um dia em que eu vi ele pegar e abrir o celular. Ele tinha um impulso que correspondia a uma qualidade muito pesquisada em dança contemporânea: o movimento não tão certinho e controlado. Eu pedi que ele repetisse o movimento e propus explorá-lo. Rogério não entendeu, mas, depois, me telefonou dizendo que, pela primeira vez, sentia-se bailarino pelo fato de usar suas próprias qualidade e movimentos, em vez de correr atrás de movimentos harmoniosos para ser aceito.

ROGÉRIO ANDREOLLI - Foi a primeira vez que alguém manifestou interesse pelo que era genuíno do meu movimento, utilizando-o como matéria-prima para a criação.

TERESA TAQUECHEL - E, não porque fosse diferente ou estranho, ou que eu tivesse o propósito de romper um estigma. É porque é interessante, rico; um campo fértil de qualidades diferentes, com várias possibilidades para surpreender e instigar o público. Eu , então, busquei fazer com que os demais bailarinos aprendessem a qualidade dos movimentos do Rogério, assim como o Rogério aprenderia os movimentos deles, sem a finalidade de adaptar-se. A essa altura, Beth Caetano tinha deixado o grupo, mas havia, além do Rogério, a Fernanda Rocha e Andréa Chiesorin, e nós continuamos o trabalho, em forma de pesquisas.

ROGERIO ANDREOLLI - Até o momento em que sentimos vontade de mostrar nossas pesquisas em palco. Foi quando surgiu a oportunidade de nos apresentarmos em um festival de artes de portadores de deficiência física, em Brasília.

TERESA TAQUECHEL – E, assim, acabamos formando um Grupo com deficientes (Rogério e Fernanda) e não deficientes (Andréa e eu). Eu, então, seguindo a minha formação, propus montarmos uma companhia, de verdade. No começo, ainda que eu não manifestasse claramente ao grupo, tinha como propósito, fazer com que as pessoas do meio da dança contemporânea, reconhecessem nosso trabalho como arte; não como terapia. Era um desafio! Eu percebia uma forte resistência ao nosso trabalho como dança. Até então, embora houvesse artistas em cadeiras de rodas, não existia, ainda, no Rio de Janeiro, que é um pólo de dança forte, uma companhia de dança contemporânea com portadores de deficiência física comprometida em apresentar espetáculos de acordo com exigências artísticas, tais como figurino, luz, acabamento, etc. No começo, algumas portas foram se abrindo porque eu conhecia curadores, pessoas a quem procurar, e também o roteiro dos editais.

No segundo semestre de 2001, através do Pró-Cena, um edital do governo do Estado do Rio de Janeiro, ganhamos cerca de vinte e cinco mil Reais para montar um espetáculo. O resultado do edital saiu em setembro, e, até dezembro, nós tínhamos de preparar o espetáculo e fazermos dez apresentações. Vinte e cinco mil reais que, descontado Imposto de Renda, reduziam-se a vinte mil. Com essa verba, fizemos a primeira coreografia aérea da Pulsar, pagamos a criação de luz, equipamentos, designer, todo o material gráfico, um assistente de direção, e até cachê para os bailarinos.

JLPM – E você, Rogério, que fez um caminho diferente, já que, como ator, não queria nada da dança, exceto terapia; como abraçou, finalmente, um projeto como o da Pulsar?

ROGÉRIO ANDREOLLI – O caminho é diferente, mas, no fundo, tem um ponto comum, que é a arte. Já me perguntaram o que eu seria, se não fosse ator, e eu respondi que talvez fosse pintor, escultor ou qualquer outra coisa envolvida com arte. Eu me formei como ator na Faculdade da Cidade, e, logo, em seguida, conheci Rosângela Barnabé, uma bailarina de Niterói, e fui dançar com ela. Nessa mesma companhia dançava Beth Caetano, mas depois eu saí porque ainda havia, em mim, um conflito em relação a ser ator ou bailarino. Eu não admitia o fato de, após ter estudado por três anos para se ator, me tornar um bailarino. Mas, não sei bem por que, como ator, nada nunca deu certo, enquanto como bailarino, desde o primeiro momento, em que me apresentei apenas de improviso, inclusive, sem coreografia, fui aplaudido de pé, com a platéia pedindo bis.

E, assim, depois de algum tempo, mesmo ainda sem pretensão de dançar artisticamente, mas reconhecendo a dança como meio para manter meu corpo em forma, eu liguei para Beth Caetano, que já então trabalhava com Teresa, e me juntei ao grupo. O interesse artístico apareceu somente depois, quando nós tínhamos duas coreografias, e surgiu o festival de Brasília.

Aliás, é interessante ressaltar a ligação estabelecida entre Brasília e o desenvolvimento do nosso trabalho, que resultou na criação da Pulsar, num fondue, lá em casa, em 21 de julho de 2000. De lá pra cá, o crescimento da Pulsar, num ritmo muitas vezes alucinante, me surpreendeu muito, mas foi a partir dali que eu comecei a entender que o bailarino que eu sou é muito fruto do ator que eu sou. E , então, os antigos conflitos foram se diluindo até eu assumir a coisa do bailarino, mesmo.

JLPM – Quanto ao Pró-Cena, parece também ter sido fundamental para a Pulsar, na medida em que exigiu de vocês a preparação do primeiro grande espetáculo.

TERESA TAQUECHEL – Foi ainda mais importante, financeiramente, para a Pulsar ter chegado a ser o que é. Na verdade, poucas pessoas do meio da dança assistiram ao primeiro espetáculo, mas a verba nos possibilitou filmá-lo. Fizemos um clipe de quatro minutos, que apresentamos à Caixa Econômica Federal. Então, a Caixa reapresentou o espetáculo em seu teatro, aqui, no Rio. Foi mais dinheiro que entrou, e nós conseguimos melhorar os figurinos, as estruturas de tecido e as coreografias aéreas. Verba é fundamental para a montagem de um espetáculo. Agora, por exemplo, vivemos um momento delicado porque estamos sem patrocínio, e não há para onde mandar projetos. Há um projeto da Petrobrás em aberto, mas está tudo meio parado.

ROGÉRIO ANDREOLLI – Aliás, é importante que não só o setor público, mas também o privado percebam essa carência de investimentos financeiros. Hoje em dia, virou moda falar em inclusão social, mas precisamos lembrar que, assim, como outras coisas importantes, a inclusão social também não se faz sem dinheiro.

JLPM – Teresa, qual é a sua concepção, hoje, do trabalho de dança com portadores de deficiência física?

TERESA TAQUECHEL – Na medida em que eu nunca planejei trabalhar com deficientes físicos, o processo de criação também nunca foi conceitual. Eu gosto de plasticidade; crio em função de uma imagem, qualidade ou idéia. Se a questão da deficiência predominou na coreografia do nosso primeiro espetáculo, será, provavelmente, diluída nos próximos, mesclando-se à exploração de outras questões interessantes.

JLPM – Quanto a você, Rogério, agora consciente do seu valor como bailarino, como avalia a interferência dessa mudança em seu processo criativo?

ROGÉRIO ANDREOLLI - Eu me sinto muito à vontade no trabalho com Teresa, a ponto de nem me preocupar com o meu processo criativo em particular. Talvez porque o trabalho na Pulsar, embora sempre muito familiar, tenha sido também muito calcado em técnicas, métodos, consciência corporal e, sobretudo, na idéia de criação dela. O grupo sempre confiou em Teresa e na linguagem que ela queria desenvolver. Ela sabia muito bem o que queria e isso pesou, inclusive, na hora de levar a Pulsar para o meio artístico.

TERESA TAQUECHEL – Eu queria que o espetáculo alcançasse um nível de qualidade que nos permitisse apresenta-lo, mas não tinha idéia de como seria. Até porque, da maneira como trabalhamos, o coreógrafo não entrega coreografias prontas para os bailarinos repetirem. Ele as desenvolve a partir da pesquisa de movimentos realizada por cada bailarino. Hoje em dia, inclusive, segundo um conceito novo, o crédito da pesquisa de movimento pertence ao grupo. A coreografia é do coreógrafo, mas a pesquisa de movimento vem de cada um.

ROGÉRIO ANDREOLLI – Outro fator interessante foi a constante mudança de bailarinos, na Pulsar, desde o começo, que me deu oportunidade de trabalhar com artistas muitos diferentes, descobrindo corpos diferentes.

TERESA TAQUECHEL – Isso contribuiu para Rogério tornar-se um bailarino de fato: o bailarino de uma companhia, que tem que trabalhar com outro bailarino. No início, ele era resistente. Não queria trabalhos em grupo; só individuais.

ROGÉRIO ANDREOLLI – Eu me dei conta disso, no ano passado, quando nos apresentamos em Washington. Escolhemos um trabalho de grupo, em que ninguém se destacava mais do que os outros. Eu, que sempre havia me destacado nos trabalhos realizados, anteriormente, percebi, ali, que eu não era mais um indivíduo; ou melhor, continuo sendo indivíduo, mas sou capaz de integrar-me a uma comunidade caracterizada pela diversidade, que trabalha para fazer algo maior.

JLPM – As apresentações nos Estados Unidos, contribuíram para uma nova avaliação do trabalho de vocês?

TERESA TAQUECHEL – Foi interessante o retorno obtido de pessoas que perceberam o propósito do nosso trabalho. Houve quem me dissesse que, pela primeira vez, assistia um trabalho em que não havia a questão de ajuda ao deficiente, mas sim os deficientes realmente integrados. Uns resolvendo o trabalho junto com os outros.

ROGÉRIO ANDREOLLI – Isso é importante porque a platéia também se fixa na expectativa da superação: “olha o que aquele corpo, que não é muito funcional, consegue fazer!”. Na pulsar, nós não fazemos da deficiência o mote. Não procuramos mostrar o que deficientes físicos fazem, que outras pessoas não podem fazer.

TERESA TAQUECHEL – O foco da Pulsar sempre foi o olhar artístico e, com isso, nosso trabalho ganhou qualidade. A gente tenta, mesmo sem saber se vai conseguir, sempre. Lidar com arte não é fácil, ainda mais para pessoas com deficiência, que são mais estigmatizadas.

FICHA TÉCNICA DA PULSAR COMPANHIA DE DANÇA:

Direção e Coreográfia
: Teresa Taquechel
Coreografo Convidado: Alexandre Franco

BAILARINOS:

Ana Luisa Vasconselos
Andrea Chiesorin
Júlia Soares
Renata Cochrane
Rogério Andreolli
Teresa Taquechel
Tiago Pach