Gorjeios para um bem-te-vi

 Mal amanheço
e já me viste?...

— Bem-te-vi!

Saíste do sonho
em que eu jazia
ovo, ave e ninho?...

— Bem-te-vi!

E o que viste
na floresta labiríntica
em que a única árvore visível
é a de enigmas?...
 
 
 
 

Cantas para o sol
de graça,
pássaro altruísta?...

Eu,
eu pago o meu direito à voz.
e cobram-me:
a água,
a luz,
o ninho,
o alpiste.

Ai, bem-me-viste:
gorjeios meus
saem caríssimos.
 
 
 
 

Eu te abençôo,
irmão passarinho,
com as mãos franciscas
no espalmar das minhas:

 — Bem-vistos sejam
os que só vêem
o que não é visto.

Tu não és o sabiá
que inspirou Gonçalves Dias.
Nem estou em outros mares
a entoar canções de exílio.

 — Bem-te-vi! O meu chão não é lá: é aqui.

Mas teu grito me anuncia
essa terra que tu viste
e que eu não vi,
de que sou expatriada.

 — Bem-te-vi,
ah, que saudade!
 
 
 
 

Eu, também,
pássaro ativo,
me cumpro o dia a dia
sobre este aplainado tronco
de exaurida seiva
a que o lavor chama de mesa
e onde canto! CANTO!
o que bem ou mal
eu vejo.
Muito mais:
o que não vejo,
bem-te-vi.

Teu olho está no bico?...
O meu, nos dedos:
são eles que percorrem
as nervuras sensíveis
dos silêncios tangíveis
do meu grito:
      —      Bem-te-vida!

                                            Ilka Brunhilde Laurito