CINEMA na literaturalogotipo

 
Carlitos com Asas

Uma cidade da Europa. Piscam
Os olhos das casas.
Dentro dos olhos brilham
Lágrimas multicores.
Sobre os pilares, no espaço, de mil maneiras
Estala o nome de Carlitos, só.

De Los Angeles até aqui
Através dos oceanos
Um homenzinho escarnecido brinca.

Nesta Europa a multidão, se possui lábios
Ri e se torce até o esgotamento.
Até a cólica. Mas que vão para o diabo
o grã-fino ridículo igual a um pepino
E sua estúpida dama! Para o jantar
Eles comem galinha e têm cabeças de galinha.

Trovoadas de motocicletas na multidão
Apitos da polícia.
É preciso entrar na fila e esperar.
O cinema berra com seus milhões de vozes.
Cala-te burguesa Europa estúpida e vazia!
Não é para vocês, disto eu estou convencido,
Não é para vocês, disto eu tenho certeza,
Mas é de vocês que ri o camarada Carlitos.
 
 

Vocês têm a barriga enorme e a testa baixa
Ó burgueses da Europa; por quê
A tristonha poeira do tempo
Desabou em cima de vocês?
Estes bigodes chaplinianos
são tudo o que subsiste
Do rosto passado da Europa?

Ó Carlitos, com tuas calças como um acordeão
É teu gelô-melão a inclinar-se sobre o topete,
Tuas reviravoltas golpeiam até sangrar
A Europa dos fraques e dos chás-das-cinco.

O cinema transborda de gente que ri.
Cala-te, público fustigado,
Europa, fica tranqüila,
Coragem, Carlitos, bate o creme
Lança suas tortas, lambuza!
Eu o sei: não se tratará mais de creme
E não será mais num filme.

Mas os esquecidos se levantarão
E vencerão todas as injustiças.

No momento ele roda seu filme,
A sensação é mundial
Sobre a tela voa
Carlitos munido de asas,
O celeste Carlitos.

(1923)

Vladmir Maiakovsky
Trad. de Moacyr Felix
Do livro: "Charles Chaplin", de Carlos Heitor Cony, Civilização Brasileira, 1967, RJ