PREFÁCIO

Cada vez aumenta mais o interesse nos programas de pós-graduação universitária em enveredar por um recente ramo da Teoria Literária denominado Paraliteratura, pois, em sua abrangência, a obra de um autor não se perfaz em seus escritos, mas também aninha textos alheios, que o influenciaram ou lhe geraram ideias. Examinar, então, suas epígrafes e dedicatórias é entender melhor o seu percurso, não só literário, mas também vivencial. Em alguns casos (como em celebração de datas — aniversário ou bodas — ou quando o autor destaca algum fato marcante — homenagem a algum anfitrião, por exemplo), estamos diante da típica "Poesia de circunstância", ainda tão pouco estudada no Brasil, embora no exterior seja muito valorizada justamente pelo muito de informações pessoais nela contidas.

A sinalização da Paraliteratura se dirige ao tráfego de um conjunto de dados que desconheceríamos, se fôssemos nos ater apenas à literariedade. Os tributos, as homenagens, as frases extraídas de leituras, ou os motes dizem tanto de seus autores quanto seus próprios escritos. Constroem (e até desconstroem, no sentido de Derrida) o discurso ficcional. Dedicatórias e epígrafes (além de cartas, artigos, anotações e citações) são o reconhecimento da importância de outras pessoas na própria literatura, a interação carinhosa, o link de um autor com outros, em um tempo em que a Teoria Literária articula inseparavelmente um texto ao seu contexto, conjugando estilo, fraseologia, antítese, paródia ou paráfrase com o momento histórico e as condições sócio-políticas específicas do momento da criação.

Neste volume 12 da Saciedade dos Poetas Vivos Digital, por reconhecermos a atual importância da Paraliteratura na obra de cada autor, resolvemos tematizar poemas dedicados ou com epígrafe, certos de estarmos auxiliando, inclusive, os Mestres e Doutores em suas futuras dissertações e teses acadêmicas, e os biógrafos, que se interessarão, e muito, por essas indicações, que dão um vislumbre do universo particular dos respectivos autores por eles pesquisados.

Grandes poetas são pródigos em dedicatórias e epígrafes, por compreenderem que toda obra é também construída de leituras, aproximações e amizades. Um exemplo bastante ilustrativo é o de João Cabral de Melo Neto que, em seu livro Agrestes (1981-1985), dedica uma parte inteira a "Linguagens Alheias". Anteriormente, em Escola das Facas (1975-1980) ele também dedica muitos poemas a diversos amigos ou a pessoas que admirava. Revelando-nos a amplitude de correntes artísticas com as quais o poeta se envolvia e se intercomunicava, encontramos extensa enumeração das ramificações do mundo poético cabralino: há, no mínimo, quinze áreas distintas, através de menções diretas da Obra Completa de João Cabral: com a Filologia, com o Teatro, com a Filosofia, com as Artes Plásticas, com a Escultura, com a Cerâmica, com a Arquitetura, com a História e a Historiografia, com o Jornalismo, com a Diplomacia, com a Dança, com as Artes Gráficas, com os Desportos, com o Cinema e, obviamente, com a Literatura. Uma vida rica de interesses e de interconexões.

Trazendo a exemplificação para o nosso volume atual, o "Tributo a Torquato Neto", em Salgado Maranhão, tem dimensões e matizes bem diversos dos de Leninha, em "Geleia Geral": no primeiro, transparece a revolta e a tristeza pela morte de um amigo; na segunda, há a admiração pela obra do poeta. E como a autora também possui um poema dedicado aos anos 60 ("Hair"), podemos entender o quanto a contracultura lhe foi importante e o modo pelo qual o ideário do movimento (e de seus participantes, como Torquato) mobilizou sua produção literária. Eis mais uma função da Paraliteratura: auxiliar ativamente a área da Literatura Comparada.

Felizes as pessoas que reverenciam outras, que as referenciam, que as respeitam, que as lembram, que acolhem o pensamento alheio e o tornam material de suas reflexões — seja dirigindo-se a familiares, a amores, a animais de estimação, a ecologistas, a escritores, a ilustres desconhecidos ou a artistas ilustres —, porque estes estão, paraliterariamente, preservando a memória particular de suas vivências e a inserção delas dentro da literatura brasileira.

Leila Míccolis

Lançamento oficial: 27 de junho de 2011


Créditos:

Editores: Urhacy Faustino e Leila Míccolis
Capa: Vande Rotta Gomide
Título: Eduardo Feijó Netto Machado
Seleção de textos: Leila Míccolis
Revisão: dos autores
Revisão final: Márcia Sanchez Luz
Webmaster: Urhacy Faustino

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Carlos Nejar

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