Posta-restante

Caros Senhores, Caras Senhoras,
Há grave dissidência em o que os olhos põe-se
Há indiferente, execranda inação
Há histórica, persistente contradição
Há mesmo consciente dissipação
Brasília, cidade-símbolo
Projeto de cidade-luz, dejeto de cidade-sombra
Sombras pretéritas, bem antigas umas, outras não.
Que é de sua melíflua vocação?
Porventura falhou o jocoso oráculo da liturgia nacional?
Emboscada, emboscada, emboscada
A história repete-se, repete-se a história, repete-se...
Trocam-se nomes, transmudam-se as estâncias
Perpétuas, no devir do Estado, as Armas
Brasília, um estado de alma -- brasílico Volksgeist --
O vaticínio gregoriano "... é uma cidade de dous ff..." Verdadeiro
Volta ao longo da principal via do Lago Sul
À sombra de enormes paineiras floridas, belas
A exortação instantânea de dois mundos
A ilha do não esquecimento esta
A oceânica ilha do esquecimento resta
A terra prometida a muitos estanque
A terra dos muitos escanzelados toda
A terra prometida a muitos só
A muito poucos compartida
Há insuportável monotonia em Brasília
Há revolta à velha nomenclatura viária
Há um parque, outrora rendia homenagem a delinqüente
"Requiescat in pace"
Mas o que há em um nome?
"What’s in a name? That which we call a rose
By any other name would smell as sweet"
Há o belo pôr-do-sol
Há tons e cores variegados
Há dons e dores denegados
Belos e amplos jardins
Belas e amplas casas
Belos e caros automóveis
Há gente bela, há, rara
Caras jovens belas, ignaras
Caros jovens malos, igníferos
Instantâneo da jovem cidade, auto-retrato nacional
Há nomes novos para velhos hábitos de rapinagem
Há belos condomínios, muitos
E mansões de luz ao largo de mansardas de trevas
O condomínio legal, oficial
Subtrai o domínio social, tão postergado este
Há inúmeras invasões, urnas eleitoreiras, sujas, fétidas
Bolsões da miséria para os bolsões da riqueza
Exanias da cidade
A cidade planejada, do planejamento
Ingente, infensa da própria gente, intenta
Rumo ao nadir, ó terceiro milênio ignoto!
As Abstratas Entidades conclamam
Arquitetam contorno do inconcebível
Enquanto no leito de morte Goethe balbuciara "Mais luz!"
Ora grunhem por aqui: Mais escuridão! Pro pudor!
Príncipe, Don Fernando II, o Viandante,
Sucessor do outro, dos outros, de todos, o perpétuo
Ó sujidade indelével, perene!
O esmalte da Sorbonne esvaiu-se-lhe todo
Em inóspito compáscuo de corrupção
Memória! E não cantou o Vate-mor da língua:
"Que aos grandes não dêem o dos pequenos,
Ou vos vesti nas armas rutilantes"?
Há duas bandas de laranja, laranja podre
Projeção cilíndrica superposta, perpendicular ao plano já seria solução...
Um minuto de silêncio, todos os dias, o preço da violência...
A cidade, árida, seca; há muito pó, faz calor. Faltará água?
Afinal, há tempo para tudo segundo o Eclesiastes, tudo...
"Revertere ad locum tuum".

                                         Santino Antonio Fernandes Borges 

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