A INFÂNCIA REVISITADA

A DANAÇÃO DO RISO

Nas folhas do Boi Mamão
arrepiava até os tendões.
No céu vermelho das fogueiras
reverenciava São João,
aquecendo o corpo sem solidão
(ainda).

Mas foi sob as fagulhas breves
e a frágil arquitetura
da lenha queimada,
onde conheci o cálice da morte
no perfume ativo do jasmim
guardando o corpo de meu avô.

Avolumada,
como as trovoadas poderosas
que tantas vezes vieram em direção
aos meus olhos temerosos,
adquiri uma das faces mais divinas
que a separação pode assumir:
                                          a ira.

Esta,
ensinou-me que a flor que enfeita
a festa
também murcha triste na solidão dos túmulos.

Amalgamava então
as criaturas sagradas
e a morte me parecia
alta e solene
como as visões de um pesadelo.

Guardei meu avô
sob o cristal das cinzas
num culto à memória,
abreviando mais tarde
a saudade sobre o retrato
                                da parede.

O mistério da ausência
— como a sonoridade sutil e grave das palavras —
desenhou parcial esquecimento.

Mas a morte lavrada
no grande cemitério da existência
criou dentro do peito
um olho d'água de curso subterrâneo.

Desde então,
aprendi a dissimular a dor
amoldando-a às formas de versos,
quando o reverso torna-se incompreensível.

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