LENDA ANTIGA

Conta uma lenda singela
De tempos que longe vão,
Que numa pobre capela
Vivia um pobre ermitão
Aos pés de uma benta imagem
Na mais piedosa oração.

Cegou, por desgraça, e o demo
Empenhado em o tentar
Vendo-o cego – ardil supremo!
Tirou a imagem do altar,
E pôs um ídolo torpe
No seu sagrado lugar.

E orava o santo eremita...
Mas quando a vista cobrou,
Vendo a figura maldita
Perante a qual se dobrou
Seu penitente joelho,
Não pode ter-se: chorou!

Depois, ídolo quebrando
E altar, em zelo abrasado,
E sobre o caso pensando
– “Ao menos” diz consolado,
“o altar que eu tenho em meu peito
não foi jamais profanado!”
Tenho um altar em minh’alma
Como o lendário ermitão:
A tormenta enfurecida
Das contingências da vida
Não chega a esse asilo. Oh! Não!

Guardo-o puro; se algum dia
Curvei-me à estátua do mal,
Não foi crime, foi cegueira:
A adoração verdadeira
Era só tua, ideal!

                                                    Alípio Bandeira

Do livro: "100 Poetas de Mossoró", Fund. Guimarães Duque, Fund. Vigt-un Rosado, Col. Mossoroense, 2000, RN

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