Verdes Florestas

Verdes florestas, verde-escuras ramas
Que servis de cortina às claras fontes,
Sus! Invadi, cantando, os horizontes,
E expulsando essas lôbregas mouramas.
Abrangei, abafai com os braços verdes
O lutulento corpo das cidades.
Pereça o mundo! É tempo de volverdes
            Às prístinas idades.

Decaídas, vencidas soberanas
Que a terra inteira outrora dominastes,
Furando o céu com as altaneiras hastes,
Tecendo no ar a rede das lianas,
Quero ver-vos de novo sobranceiras,
Vivas marchando — exército aguerrido,
            E transpondo as fronteiras
Do progresso feroz e corrompido.

Acha de pedra ou gume de aço fino
Que antigamente sobre vós caíram,
Nunca mais vos ataquem, nem vos firam,
Perfidamente, o corpo esmeraldino.
Crescei! Subi! Vingai! Por toda a parte
            Alastrai-vos pujantes!
E cada flor famélica se farte
Na carne dos cadáveres hiantes.

Deste negro festim de Heliogabalo
Que cidade moderna representa
Fazei a seiva túrgida, opulenta,
Fazei o vosso esplêndido regalo.
            E a Babilônia obscena
Onde o Vício feraz agora medra
Transformai-a na pútrida geena
De que não reste pedra sobre pedra!

Árvores verdes, verdes incensórios
Que embalsamais de aroma as nuvens pandas!
Envenenai as tênebras nefandas
            Dos humanos empórios:
Silencioso, sutil, manso Vesúvio,
Derramai sobre nós vossa folhagem
Num constrigente e vegetal dilúvio
Que nos esmague a vida na passagem.

E a humanidade sórdida e canalha
Morra-vos sob a massa dos cabelos
            A morte que esmigalha
O navio polar preso entre os gelos.
Átilas imortais! não se vos tolha
A sagrada invasão na geri tirana,
E verdejar não possa a menor folha
Sem um traço apagar de gente humana.

Persegui sem piedade a fera astuta,
            Civilizada e horrenda,
Mais vil, mais criminosa, mais poluta
Que a rainha escocesa da legenda,
Essa que as mão queimava, e não podia
Delas tirar o sangue que as manchava!
A humanidade é Macbeth erradia:
Tem sangue na alma, e o sangue não se lava.

            Gigantes verde-escuros,
Crescei! Reconquistai vosso direito;
Sois o mar: contra o mar não valem muros,
Que busquem restringir-lhe o vasto leito.
Alargai vossas ondas alterosas!
Sede oceano intérmino e sem ilhas!
E explodi nas cidades orgulhosas
Tornando-vos sarçais e mancenilhas!

1º de outubro de 1908

                                                                                         Carlos Pôrto Carrero

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