O SUICIDA

O suicídio é um ato supremo
De covardia ou de bravura heróica.
O suicida em seu gesto extremo
É alvo de acalorada retórica
Entre a polícia investigatória
E a curiosa vizinhança inquisitória.

Traça-se do morto um perfil agônico:
Seus amores, suas dores, suas cores;
Suas queixas, suas deixas, seus temores
A psiquiatria e seu relatório lacônico.

Vai-se fundo em sua mais íntima vaidade
Perde o morto a sua nobre identidade.

O início de tudo foi em um divã confortável
Quando um gentil senhor de jeito afável
Pediu para que ele falasse indefinidamente
De atos e fatos esquecidos completamente.

Pela hipnose se alinha o quadro
De uma infância infeliz e de pais escravos
Do vício, das drogas, da dipsomania;
Das vertentes imperiosas desta amarga agonia.

Em uma escola chamada Holocausto,
Divide espaço com proxenetas e trombadinhas
E tromba numa paixão inesperada, o infausto,
Pelos trejeitos sensuais da Rosinha
Que divide o seu coração pequenino
Com mais três amantes meninos.

Bate no peito um coração partido;
A vontade de morrer já faz sentido.

A Pátria-Mãe-Gentil lhe chama à luta
Que se cumpra o seu dever de cidadão.
Como um intrépido herói em sua labuta
Engraxa as botas do Sargento e do Capitão
Após lavar a latrina do Cabo Batuta.

"Não senhor! Sim senhor, seu Comandante!"
É tudo o que pode falar o garboso infante.

Não senhor! é o cotidiano refrão
Quando civil procura um patrão.

Um azarado ladrão, por sorte,
Leva a sua carteira e, de roldão,
O seu último vale-transporte.
Aparece a polícia, fuzil na mão,
E o leva para o corredor da morte.

Casa comida, maus tratos enfim
(não necessariamente neste plano relatado)
Até que um público defensor, por fim
Um habeas corpus apresenta ao delegado.

Então o gosto da liberdade viver
Novamente uma vontade de morrer.

Entra em um bar para um trago provar
O último brinde para sua desdita
Enquanto calado pensa e medita
Um valentão para lhe provocar
Pega seu copo e o líquido sorve.
Cospe aos seus pés, diz palavrão.
E ele, alheio ao mundo, não se comove
Nenhum sintoma de haver reação.

Olha o desafeto com indiferente fleuma
E se retira sentindo a mais vil celeuma:
"Não é justo!" o seu íntimo se indigna,
"Chega um palhaço e bebe a minha estricnina!"

                                                                             Ronaldo Torres

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