Orphée aux Enfers (*)

Subia o pano acima. A musa da alegria
Iluminava o rosto à prazenteira claque,
E deuses e vestais da morta teogonia
Vinham dançar em cena aos cantos de Offenbach.

Ao despedir a orquestra as notas delirantes.
Borrados arlequins lascivos como Pã,
Nos braços — espirais dum grupo de bacantes
Saltavam, sem pudor, na febre do can-can.

Era a sátira viva, a sátira pungente,
Levado no delírio aos baixos entremeses.
Expondo ao riso alvar de geração doente
A crença dos fiéis dos fabulosos deuses.

Então esses heróis divinos das florestas.
Outrora adoração e crenças dos pagãos,
Tornavam-se truões que em delambidas festas
Viviam de espancar o tédio dos cristãos.

E as grandes ovações àqueles decaídos
Traziam-me à lembrança o bárbaro selvagem,
Que vinha sapatear na tumba dos vencidos
No campo onde travara o prélio da carruagem.

Podeis dormir em paz, ó legião sagrada!
Ó Júpiter, Plutão, titãs da fé pagã!...
E como tudo marcha às solidões do nada
Inda há de rir de nós o crente de amanhã.

Fontoura Xavier

Do livro:  "Opalas" — Poema da série Musa Livre —, apresentação de Regina Zilberman,  Centro de Pesquisas Literárias  da PUCRS, 5ª ed., 1984, RS
(*) N.E.: Orfeu nos infernos é título da opereta do compositor Offenbach. Sobre esta peça, afirma Décio de Almeida Prado, em seu livro: "História Concisa do Teatro Brasileiro - 1570-1908, EDUSP, 1999, SP": " A opereta bufa do século XIX, que toma como alvos satíricos preferenciais a solenidade da ópera e o prestígio da mitologia clássica, nasce oficialmente com a montagem, em 1858, de Orphée aux Enfers (...) que escandalizou alguns críticos e escritores franceses. Houve quem a acusasse de profanar os deuses romanos; entre os seus admiradores, no entanto, figuraram Baudelaire e Nietzsche, Saint-Saens e Rossini".
 

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