SONETO ASSUMIDO [509]

Mattoso, que nasceu deficiente,
ainda foi currado em plena infância:
lambeu com nojo o pé; chupou com ânsia
o pau; mijo engoliu, salgado e quente.

Escravo dos moleques, se ressente
do trauma e se tornou da intolerância
um nu e cru cantor, mesmo à distância,
enquanto a luz se apaga em sua lente.

Tortura, humilhação e o que se excreta
são temas que abordou, na mais castiça
e chula das linguagens, o antiesteta.

Merece o que o vaidoso não cobiça:
um título que, além de ser "poeta",
será "da crueldade" por justiça.


SONETO DESFORRADO [660]

Bem feito! Quem mandou me ler? Agora
vai ter que me engolir com casca e tudo!
E mesmo quando, em parte, me desnudo,
quem prova sente nojo e cospe fora.

"Bem feito!" (é o que se diz ao cego) "Chora!"
Eu choro, mas em vez dum pranto mudo
converto o desabafo em verso agudo,
tão grave quanto um frade que não cora.

Sem papas, meus buracos escancaro
e os olhos dos leitores esbugalho
ao verem que a derrota vendo caro.

E a quem acha bulhufas o que valho
das tralhas mais baratas sou avaro
de modo a indecifrar-lhe meu trabalho.                                       

                                                             Glauco Mattoso

« Voltar