Soneto da Porta

Quem bate à minha porta não me busca.
Procura sempre aquele que não sou
e, vulto imóvel atrás de qualquer muro,
é meu sósia ou meu clone, em mim oculto.

Que saiba quem me busca e não me encontra:
sou aquele que está além de mim,
sombra que bebe o sol, angra e laguna
unidas na quimera do horizonte.

Sempre andei me buscando e não me achei.
E ao pôr do sol, enquanto espero a vinda
da luz perdida de uma estrela morta,

sinto saudades do que nunca fui,
do que deixei de ser, do que sonhei
e se escondeu de mim atrás da porta.

                    Lêdo Ivo

Do livro: "Poesia Completa - 1940-2004", Topbooks, Estudo introd. Ivan Junqueira, Topbooks, RJ, 2004

« Voltar