1964

 Perdão – se houvera.
Um jeito certo – se houvera.
Pela tua mão que desviou as correntezas
pela devassa da tua prática
pelo sorriso da tua face ilegítima
perdão – se houvera.
Temes ser ancião
temes o vento e a tempestade
Temes vergar aflito
e  se desculpar em vida:
esperas perdão
pela lesada carne
pela alma invadida?
Perdão – ou cura – se houvera.
Minha vontade é inibida
e a razão não anima o anticrime
mas perdão
não :
que em toda bebedeira
(e já com a goela farta)
sempre penso em um jeito certo
para o teu vermelho chão.

 


CARPE DIEM

(V)

Doce ilusão pensar que inverteram as setas
ou os destinos da nação.
A cidade, se não sonhou, pelo menos dormiu.
As placas indicam a mesma contramão
as vias principais geram engarrafamento das soluções.
Pedestres atravessam as ruas nas faixas demarcadas
a segurança pressupõe continuidade.
Há ainda um certo torpor, tamanha manhã ensolarada
afronta os sonados, mas acostuma-se.

A cidade é um formigueiro:
os homens pacientes
os homens decentes
os homens dementes
os homens dirigentes.

O lixo é recolhido.

                       Xenia Antunes

Do livro: "Exercícios de amor e ódio", Ed. da autora, 1980, DF
N.E..: Não existe a numeração (V) no livro. Ela é encontrada no site da autora

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