Meu bâton

Meu bâton disse-me hoje
que sabe porque meus lábios andam frios
ele me disse também que está lembrado
de ter pintado uma boca flamboyante
não faz lá tantas estações
perguntou-me ainda meu bâton
onde anda por acaso o cavalheiro
que àquela altura nos rondava persistente.

 

RESISTO BRAVAMENTE AO MANTEAU NEGRO

Comprei-o no inverno passado
à rua Santa Catarina no Porto
por doze mil escudos
na grande remarcação de janeiro.
É austero e comum
sem design nem griffe parisienses
e todo negro.
Pesa-me como um sarcófago
embora mal não me fique
e entre a tosse renitente ou ele
como poderia não ser o escolhido?
Mal o frio partiu engavetei-o prontamente
com votos de até nunca mais.
Ainda lá está dobrado em rolo
Guardado longe dos olhos
Mas novembro persiste
E cada dia recompõe a iminência
De vesti-lo ainda um segundo inverno.
Resisto bravamente.

                                              Luiza Nóbrega

Do livro: Mascarada - Farsas Neodecadentes, in Páginas do Exílio, 1996, Ed. da autora, RJ
Enviado por Luiz Edmundo Bouças Coutinho

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