Tubinhos, traças & chaves

Cadê meu velho armário?
Em quais cabides
se esconderam os tubinhos,
as kilts inglesas
e os conjuntos de cashemere?
Cadê os sapatinhos baixos,
cavados até o dedão?
Cadê as tardes de sábado
e vitrola suitcase
preparada para a festa?
Cadê a festa?
Quem apagou a luz
e chamou o síndico?
Cadê Billie que não canta,
Chet que não sola,
João Gilberto que não namora
e Elvis que não rebola?
Em qual buraco se meteu
a dor trágica dos amores
sempre não correspondidos?
Em qual vácuo do ar
se dissipou o pinho silvestre
do cheiro  dos meninos?
Cadê o coração que não dispara,
a voz que não defunta a garganta
e a boca que não molha?
Chaves trancaram o armário
e no centro do quarto vazio
um espelho em viuvez
reflete um baú de lembranças...
roídas pelas traças.


Grafite, Sartre & Lee Konitz

Por que lapiseiras não tocam?
Grafites bem que podiam tocar.
Improvisar notas
sem verbos
conjunções
preposições
sinais.
Grafites deviam ser maleáveis
rápidos e reticentes
como um solo de Lee Konitz.
Grafites bem que podiam ser soltos,
etéreos
ásperos
inexplicáveis.
Grafites deviam parar de tentar
explicar o mundo,
pessoas
estados e tempo.
Grafites deviam esquecer a náusea
e ouvir mais música.

                                          Marcia Frazão

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