GARRAFA

Sem vida, jaz de pé, como um paradoxo
Na prateleira de um bar.
Azul, quem te deu essa cor?
(Azul, dizem ser a cor da felicidade!)
Vazia, quem te sorveu o líquido,
E de quem foste testemunha da
embriagues?
Por quê não te jogaram fora
Atirando-te ao lixo,
Já que não tens mais o líquido
Que embriagou teu dono (quantas vezes)?
De quantos porres foste testemunha,
De quantas palavras, de quantas juras,
De quantos beijos?
Que esperas, aí inerte?
Que te quebrem e te transformem em cacos?
Como em cacos encontra-se meu coração?
Que te reciclem e aproveitem de ti o azul?
Ou esperas que como eu, reciclado,
De novo volte a ter conteúdo
Para de novo satisfazer o prazer
De quem nos sorveu a vida...?


ESPELHO

Odeio-te espelho
Algoz impiedoso da minha vaidade
Delator impune da minha idade.
Cruel, mostra-me agora
Com requintes de perversidade
As rugas de meu rosto
Marcas de muitas saudades.
Amo-te espelho
Por ainda me permitir ver
Meus olhos cor de mel
Delineados pelo lápis
Realçados pelo rímel.
Olhos de mel
Das poesias e dos versos
Que meu poeta tanto escreve
Que meu poeta tanto usa
Em homenagem à sua Musa.
Nem ódio, nem amor.
Desprezo-te espelho
Conselheiro falso e vil
Pois, na verdade, não preciso de ti
Objeto impreciso e superficial.
Não vês meu interior
Onde cultivo a essência
Da minha vida
Do meu amor.
Dispenso teu conselho
Inútil
Espelho.

                  Carvalho de Azevedo

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