Cartas

Vou correndo buscá-las — são tão leves!
mas trazem a minha alma um grande encanto,
— por que as cartas que escreves custam tanto?
— por que demora tanto o que me escreves?

Não deves torturar-me assim, não deves!
— Do teu silêncio muita vez me espanto...
Mando-te longas cartas — e entretanto
como tuas respostas são tão breves!...

Recebes cartas minhas todo dia,
e elas não dizem tudo o que eu queria
mas falam-te de amor... de coisas belas!

Tuas cartas... Mas dou-te o meu perdão,
— que me importa afinal eu ter razão,
se gosto tanto de esperar por elas!

Do livro "Bazar de Ritmos", Editora Vecchi, 6 ª ed. 1963, RJ

Carta Inútil

Tu não mereces o meu sofrimento
ele é grande demais para quem és,
nem devia afinal (triste momento),
— por fraqueza humilhar meu sentimento,
e ajoelhar-me adorando-te aos teus pés...

Passaste tão depressa!... Em minha vida
às vezes penso que nem foste minha!
Como a aragem soprando distraída
acendeste uma brasa adormecida
e deixaste-a queimar-se após, sozinha...

Minha angústia interior é aquela chama
vermelha, consumindo a brasa acesa...
A Vida é assim... bem sei... sofre quem ama,
e, covarde, é o mundo, o que reclama
contra um quinhão de dor e de tristeza!

Ainda guardo a silhueta de teu vulto
e o que ontem me dizias sei de cor,
— por tudo o que mentiste não te insulto,
fiz das lembranças que deixaste um culto
e a vida sem lembranças... ainda é pior...

Quase sempre é melhor o sofrimento
quando ele encerra uma lembrança boa,
que uma vida vazia, o isolamento,
— sem uma voz trazida pelo vento!
— sem um vulto passando na garoa!

Doloroso é voltarmos nosso rosto
e o passado fugir como um caminho
deserto, a essa hora roxa do sol posto,
— sem um riso, uma lágrima um desgosto
a saudade de um beijo ou de um carinho...

Quando o mal terminou, já está curado,
mesmo a sombra da dor ainda conforta...
— bem pior, é não ser ter nunca chorado,
vendo o mundo a passar sem ter passado
e a vida inteira inutilmente morta!

Confesso, sim... que não mereces tanto
não mereces um culto igual ao meu...
Tudo em ti foi tão falso... hoje, me espanto
ao ver que tantas vezes o teu pranto
numa ironia cruel me comoveu...

Mas, não toquemos nisso... Não se deve
falar de um mal que nos maltrata assim,
— nem sempre o que se pensa a gente escreve...
— que o esquecimento seja um véu de neve
descendo suave sobre o nosso fim...

Teu amor foi apenas uma nuance,
desmaio de um segundo nos meus braços,
— é inútil que ainda insista e ainda me canse
a procurar em vão nesse ex-romance
a falsa trajetória de teus passos...

Foste um lírico instante de beleza
a efêmera existência de uma flor!
Uma folha a rolar na correnteza,
um segundo de anseio e de incerteza,
— mentira ingênua que eu chamei de amor!

Gota d'água brilhante ainda em suspenso
num fio... quando o sol quente a encontrou,
— partida que não teve o adeus de um lenço,
história antiga que não tem mais senso,
livro que o vento sem querer fechou...

Foste isso: uma ilusão que a gente espera!
(E as ilusões são como as serpentinas
que nos fogem da mão...) Falsa e insincera
hoje me lembras uma fora de hera
no muro branco de passado em ruínas!

Que fizeste do mundo de alegrias
que presenteei ao teu destino vago?
Dei-te a mancheias tudo que querias,
— palavra de honra que não merecias,
o sádico prazer com que me embriago...

Não mereces a dor que punge e espinha
nem esta carta viva de emoções!
Às vezes penso que nem foste minha
e que a minha alma louca, anda sozinha
num delírio de sombra e de visões!

É sempre assim. A mão destrói o sonho!
Toquei-te... E eras de pano, tola e fútil,
— ainda bem que te foste!... Hoje, tristonho
reduzi — com estes versos que componho —
a nossa história numa carta inútil...

Nunca esta carta te será bem-vinda
hás de soltá-la indiferente aos pés...
Confesso, quando a dor me fere ainda
que a Vida que sonhei e hoje está finda,
era grande demais... para quem és...

                                           J. G . de  Araujo Jorge

Do livro "Amo!", Editora Vecchi, 10ª ed. 1963, RJ

Voltar