Viagem para morabeza - I

viajei contigo de Santo Antão a Brava
abracei-te de norte a sul
neste oceano guarnecido por estas dez ilhas
enclausurei-te bem dentro do meu coração
viajei contigo neste mar, neste azul, nesta luz
que mesmo na escuridão brilha como anil

na ilha das flores, dei-te rosas
de presente, dei-te abraços
de Nhô Eugénio, dei-te poesias
para alimentar a boca
de gentes prazerosas
que respiram o calor do vulcão
da Brava fizemos a nossa canção

de Santiago, vulcão eu vi
das festas juninas
escutei tambores a rufar
até batucada ouvi, convidaram as meninas
pois, Fogo conheci
das bandeiras se fizeram festas
os sobrados vieram das eras
do conde fizeram os Montrond

os beijos que demos
na pracinha, Txalé pintou

estórias escrevemos
mornas cantámos
de Cesária ao Bana, melodias ouvi
do Tito ao Bau, Voginha escutei
na despedida, cantaram saudades
para terra longe, pessoas vi partir
e ainda em criança, a cabra-cega brincamos
até chorou o Monte Cara
com a Ana São Vicente ficou

nas viagens que fiz
pelos casebres que passei
gente feliz vi
e, pelo caminho, encontrei escritores
atravessei o monte skribida
versos eu li
muitos dias se fizeram horas
e muitas horas eu perdi
visitei Nhô Balta
na casa de Nicolau.

oh ilha que cresceu!
lembrei-me do Bouças
conheci São Nicolau
até me lembro
do Seminário que virou Liceu

em Santiago nasci
nas lindas praias em que me banhei
no Tarrafal cresci
sugando das rochas
Histórias que se fizeram das revoltas
do comércio de escravos
do sangue derramado no pelourinho
do suor deixado nos campos de cultivo
do mulato ao badiu a quem se chamou de pé ratxadu

a cidade até ganhou o seu nome de velhice
e o mar pediu-lhe a separação
para o oceano, virou as costas o Plateau
fizeram da ilha o ghetto de faca i matxadu
as antónias andaram de rolo à cabeça
e das rochas vêem-se outras ilhas
das idas e chegadas já terminadas
onde as músicas dão ritimo de morneza e funaneza
o país ganhou nome de morabeza.

                                                Mário Loff

« Voltar