DESCANSE NA REVOLTA

No negrume, na noite estará sua memória
no que sofre, no que sua
no que busca e não acha
no batelão de desembarque que arrebenta na praia
na partida assoviante da bala traçadeira
na ilha de enxofre estará sua memória.

No que em si tem sua febre, a quem paredes não importam
no que se lança e só tem cabeça contra as paredes
no ladrão não arrependido
no fraco para sempre recalcitrante
no pórtico estripado estará sua memória.

Na estrada que obseda
no coração que busca a praia
no amante a quem o corpo foge
no viajante a quem o espaço rói.

No túnel
no tormento em torno a si girando
no que ousa machucar os cemitérios.

Na órbita inflamada dos astros que se chocam explodindo
no navio fantasma, na noiva emurchecida
na canção crepuscular estará sua memória.

Na presença do mar
na distância do juiz
na ceguidade
na taça de veneno.

No capitão dos sete mares
na alma de quem lava a adaga
no órgão de caniço a chorar por todo um povo
no dia do escarro em cima da oferenda.

Na fruta de inverno
no pulmão das batalhas que retomam
no louco na chalupa.
Nos braços tortos dos desejos para sempre saciados
estará sua memória.

                                Henri Michaux
                         (Trad. Mário Laranjeiras)
Enviado por  José Carlos Mendes Brandão

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