chico mendes
 
chico mendes sobe à seringueira mais alta

do cimo da copa da seringueira
chico mendes vê o universo
vê toda a terra
                     domicílio do homem

conhece a floresta como a palma da mão
tem a seiva das árvores nas veias
é um homem

o mundo vai-se acabar
aprende essa notícia do alto da seringueira

a vida vai-se acabar
nada mais tem sentido
porque eu vi uma árvore morrer

quando uma árvore morre
outra árvore vai morrer
outras árvores vão morrer
o homem vai morrer

chico mendes sobe além-seringueira
entre as estrelas
dança com os ventos brincalhões
com o sol na mão
com o sol nos olhos

você partiu num vôo livre chico mendes
um gosto amargo na boca
o gosto amargo da derrota na alma que voa

você sacode o pó dos ossos
estrelas caem sobre os homens

que morrerão
soturnamente

não há remédio
para a doença do homem

você não sente a navalha
o corte tão delicado
no pescoço

você nem sente o sangue que se esvai

você desfalece
para nunca mais
 
você adormece
se esquece de acordar

à sombra de nenhuma árvore

nenhuma árvore
nenhuma árvore

nenhuma brisa
o pouco
             o vácuo
                           o oco

asfixia

a navalha na garganta
a navalha na garganta

não sobrará um homem
um só homem
para herdar a terra
 
                                    José Carlos Mendes Brandão

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