Nunca mais fui a Pasárgada
(50 anos depois)

Nunca mais fui a Pasárgada
Eu era amigo do rei
Lá tive a mulher que quis
Na cama que eu escolhi

Nunca mais fui a Pasárgada
Nunca mais fui a Pasárgada
Desde que o rei morreu
Desde que a mulher se foi
De tal modo inconseqüente
Que nem Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Distante contraparente
Jamais foi louca o bastante

Nunca mais fiz ginástica
Nem andei de bicicleta
Jamais montei em burro brabo
Ou subi no pau-de-sebo
E, ah, os banhos de mar!
Hoje, velho, ando cansado
Mas não existe mais rio
Onde eu chame a mãe-d'água
Onde eu ouça as histórias
Que no tempo de Pasárgada
Tanto cansei de escutar
Nunca mais fui a Pasárgada

Pasárgada tinha tudo
Pelo menos eu achava
Segura a anticoncepção
Até que ela engravidou
Tinha alcalóide à vontade
E usando-os ela abortou
E prostitutas bonitas
Com quem ela me flagrou

Toda a vida estive triste
Mas triste de não ter jeito
E toda noite me dava
Vontade de me matar
— Eu era amigo do rei —
Tive a mulher que eu quis
Mas dela me separei
Nunca mais fui a Pasárgada.

                    Flavio  Moutinho

« Voltar