MEU MANUAL DE MANUEL

Faltou luz a tarde inteira
e eu não pude ligar o micro.
Então, fui reler Bandeira:
Poética, A Canção do Beco,
Teresa, Arte de Amar, Martelo,
Neologismo, Carta do meu avô,
Preparação para a Morte...
Pensão familiar...

Ele rimava porque queria rimar,
não porque precisasse:
cada verso seu
é uma obra completa.
O poeta
era a própria Passárgada,
o amigo, o rei
e até mesmo a filha
— amante da Poesia.

Teria conhecido Cuzco, como desejava?
Parou de tossir?
Parou de morrer?
Se voou para os céus dos passarinhos
já deve ter se encontrado com Mozart,
com Irene,
com o balão que subiu
e não caiu na Rua do Sabão...

Fim do dia, meu poeta.
Lá fora, os Sapos, mesmo não lendo tua obra,
declamam dentro do mato:
— “Não foi!” — “Foi” — “Não foi”...
(Ou são cãezinhos bebendo água:
Cloc... cloc... cloc... ?)

Com um toque,
fecho o livro, não há mais luz pra leitura,
mas continuo lembrando a textura
dos teus versos
tão imensos, tão imersos
nos movimentos do mundo.
E mesmo no escuro de uma noite como esta,
sem lua, sem estrelas,
só com pirilampos cansados e apagados,
você brilha,
Manuel.
Belo belo.

Do livro: Poetas 2000, org. Mônica Banderas, Ed. Blocos, 2002, RJ


" — O que eu vejo é o beco."
Manuel Bandeira

Dúvida

Para além do beco,
deve haver um mundo
enorme e desconhecido;
mas será que é tão fedido?

                                     Leila Míccolis

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