A Cruz e Souza,

litanias dos pobres

como pode, sem morte,
salvar sua vida?
como pode, sem perda,
ganhar nortes
outras sortes?
como pode, sem não,
à vitória das indiferenças
festejar a alegria das lambanças
nos rostos de fome das esperanças?
como pode, sem se esquecer,
lembrar de presentes ausentes seres
que em si e em outrem viveres
gritam a vontade dos amanheceres?
como pode, sem sim,
aos sonhos dos desesperos
dizer não aos pesadelos
das fúrias dos despenhadeiros ?
como pode, sem pecar,
viver a graça de amar
os acertos no errar
nos descaminhos do tocar
os sinos da glória de louvar
um outro mundo/modo
de ficar, andar, dar
a alegria de compartilhar
de graça, a fortuna
de nada cobrar?
como pode, em começo,
entrar na rede em que meço
o fim em que estremeço
da morte em que não entristeço
das vidas de que não esqueço?
como pode, senão pelo embate,
pisar na arena do combate
na área da areia do tempo
no seu mais neutro fluir de evento
pra, nelas, agitar as vozes de tormento?
como pode, do invisível,
tornar factível o impossível
calado pela razão crível
da arrogância do visível
senão através da incrível
amorosa luta irresistível
contra o inseduzível
míssil do ineludível
não ao disponível
direito ao chão iludível
fora do horrível
dentro do risível?
como pode, enfim,
ali e aqui
ser mim e ti
sem mentir
por si
senão assim:
pelos abismos tumultuários
em que os pobres são vários
nessa odisséia lírica dos ovários
onde nasce tudo que é primário,
rebento dos imaginários?
sois os belos vindos corolários
lábios dos beijos lindos diários
confundidos com bárbaros:
Lázaros
lábaros
são passados presentes e futuros
de pássaros

                         Luis Eustáquio

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