MESMO A SAUDADE TE ESTRANHA

Sob teu corpo eu abri todo o meu sonho profundo.
Nave em teu pranto corri: tu naufragaste, contudo
belo corsário da treva, queda traçada no chumbo.

Salteador que já entrega o saque ao primeiro fogo.
Mau jogador que adormece e esquece a senha do jogo
amor que a vaga dispersa, ave enlutada no lodo.

É teu próprio cadáver que te arrasta pela sombra.
Na medida de teu passo se perde o que for comando.
Ai tumba que eu vi cratera, miragem que eu quis gigante:

os duendes que carrego têm mais sangue que teu pulso.
Belo corsário moreno, manso guerreiro noturno
nunca mais serei a presa do teu assalto convulso.

Nunca mais o meu incêncio sob tua ânsia tristonha.
Nunca mais o teu lamento misturado à minha sanha.
Torna a teu porto de base: mesmo a saudade te estranha.

                            Lucila Nogueira

Do livro: Almenara, Civilização Brasileira/ IML/ MEC, 1979, RJ/Brasília

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