ÚLTIMO CHÁ DE CADEIRA

                   Acho que voltei à adolescência,
                  na qual (quase?) ninguém se interessava
                em dançar com minhas feiúra e sem - gracisse.
               Na próxima encarnação,
             (EXIJO!)
            Srs. Deuses, vir gostosa e linda (quase má!),
           troféu do baile cotidiano,
         versão feminina de Dorian Gray,
       embriagada de eterna juventude:
      trágica Monroe, mas
    com heart que belonga to Daddy
  (quero mais é belongar to someone),
ora bolas! ...

  À Grande Mãe 

Estás em cada minúsculo pedacinho do universo, Divindade nossa; logo, também em nós.
Estás no céu, Senhora;

és felina menina sapeca que tudo transformas na lua nova;
és guerreira justa e imbatível na lua crescente;
és o melhor dos colos maternos na lua cheia;
és avó sábia e conselheira na lua minguante,
e logo voltas a ser menina de novo – ciclo inesgotável de sacerdotisa fiel –
pois (assim como as rosas) és uma espiral de pétalas e perfume
que nos guia no eterno movimento
do infinito vir, e para o mesmo infinito voltar, como cantava a poesia da cigana-mãe Cecília (*).

Estás no planeta, Face Feminina de Deus,
entre os quatro cantos sagrados dos Guardiões do Universo:
no Leste, os Abençoados Espíritos do Ar,
a brisa primaveril, os ventos fortes, a aurora ,os incensos, os sinos, o arco-íris, uma pluma flutuante, a inspiração...
no Sul, os Abençoados Espíritos do Fogo,
as chamas coloridas, o calor tropical, o pão que assa, o busca-pé, a fornalha fabril, as piedosas velas, a saudável sensualidade da dança, a paixão...
no Oeste, os Abençoados Espíritos das Águas,
a cachoeira, o rio, o outonal lago, o mar, o búzio, os batismos, o poder do encantamento, a imaginação...
no Norte, os Abençoados Espíritos da Terra,
as montanhas nevadas, os vales, a lama, a areia, o ouro e a prata, o cristal, a promessa das sementes, a força das raízes, o silêncio dos desertos, a musical explosão do verde, o mistério e a abundância;
o centro desses quatro cantos é como um profundo caldeirão, onde tu – espiral de pétalas – emerges do que chamamos ora “alma”, ora “verso”. 

Do fundo escuro desse mesmo caldeirão, vem o fio de luz com o qual teces a nossa vida,
Mãe Divina.
Doce bordadeira, dona do fio da vida:
és tu quem costuras meus pensamentos no meu corpo, e ambos nos meus sentimentos,
na tentativa piedosa de me tornar uma pessoa íntegra: razão/ação/emoção, unos.
Severa costureira, dona do fio de vida:
és tu quem cortas o fio quando crês que já o segui o suficiente para aprender coisas novas.
És o colo que nos gera, e o que volta a nos receber ao fim de cada etapa.
Ao Pai Divino, tua face masculina, cabem o hieróglifo, a linha reta, a Lei.
A ti, Gaia, cabem a criatividade do caos, o grito da Natureza, e a avaliação pelo sinuoso bom senso circunstancial. 

Tudo é bom, tudo é Deus, tudo é abençoado;
o Mal é onde/quando Deus está doente : direitos do imponderável.
Só o TODO faz sentido: TAO

Ishtar, Astartê, Isis, Ártemis, Afrodite, Hécate, Shekinah, Al-Uzza, Maria de Nazaré, Shakti, Sarasvati, Kali, Eva, Madalena, Lilith, Valquíria, Brigitta, Baba Yaga, Inana, Amaterasu, Kwan Yin, Iansã, Oxum, Yemanjá, Espírito Santo, Sofia, Rosa Mística, Mulher-do-búfalo-branco, Mulher-Aranha, Pachamama, La-que-sabe, Mulher-dos-quatro-ventos, Jacy, Yara, Jupira, Jurema, Gaia, Deusa dos Mil Nomes,
estás em mim , estás em nós, estás no gerúndio: ESTANDO.

Que eu siga pela vida, mas não mais que uma pedra de rio rolando, que caminha sem possuí-lo, nem poluí-lo.
Que eu observe a vida, mas não mais que uma violeta ao pé do carvalho, que enfeita sem se iludir com vaidades invejosas, sem se sujar com rancores.
Que eu transforme a vida, mas não mais que uma minhoca no fundo da terra, que a revitaliza a revolver sem revólver , rebolando solidária.
Que eu cante para a vida, mas não mais que um sapo em sua vitória-régia, rodeado de muitos irmãos, que compartilha, sem esbanjar, cada inseto, cada pedra, cada poça.
Que eu mergulhe nos mistérios da vida, mas não mais que uma furta-cor anêmona, linda e estranha no espelhado mar, que - não confundindo inesperados com insanidades – não critica o diferente, o novo.
Que eu uive apenas para o luar, mas não mais que um lobo de dançarina cauda, que honra a lua sem julgá-la, e na solidão se ocupa, se alegra, espera.
Que eu não contrarie as tuas regras mais que uma águia rompendo abismos nas asas do bom senso. 

Que morrer seja nada além de voltar ao casulo, como o cometa que mergulha na escuridão, confiante na luz, e satisfeito com o rastro.
Que viver seja reverenciar, agradecida uma Divindade
que me aceite as lágrimas,
mas se alimente de minhas gargalhadas. 

Assim SENDO. 

_______
07/2000.
(*) Cecília Meireles
(...”tenho fases, como a lua”...)

                                                                Cristina Montenegro

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