O RATO LENTO QUE TE RÓI, AMOR

Lento,
pequenino ser que faz ruir
a roupa do rei de Roma,
e suas jóias, seus sapatos, seus papiros,
começa a ruir a grossa e pesada lona
que encobre, amor, o teu luzir.
(Esta lona também vai ruir.)
E trazendo com ele o vír us, amor,
o rato começa a invasão impune
(que à solidão o rato é imune
mas a ti ela profana)
A doença ele traz e soma
e não mais se pode fugir,
uma vez que a tenha deixado vir.
Há de crescer
e para fluir,
a solidão dissimula,
essa doença te engana.
Lento, com tento,
invade o teu torpe coma
e tu assim, te deixas puir.
E roendo, absorto rói
tu, amor, que semi morto
nem mais ama, nem reclama e nem dói.
Lento,
A cada novo alimento que se dá,
a cada desentendimento,
A cada mágoa ou mau procedimento
o ratinho afia os dentes;
rói a roupa, rói a pele,
rói aqui, rói acolá,
abalando as estruturas,
evidenciando rupturas,
ranhaduras inocentes,
que o tempo deixara ficar.
(Que o tempo também engana.)
Dos esgotos donde emana,
o rato que cresce ao acaso,
nas ruelas do descaso
por onde ninguém quer passar,
vem fomentando as cicatrizes
das feridas que esse amor,
(Que todo amor tem seus deslizes),
em sua vivência se obrigara a suturar.
Lento,
Um dia este rato é letal,
(Em verdade se torna vital.)
Pois que tu, amor, paciente terminal,
abandonado e carcomido,
deixado ao rato e à sua empáfia
de tanta roupa e amor ter roído,
de reis de Roma, reis da Arábia,
implora pela eutanásia.
E como não há quem por ti, o rato mate,
nem quem queira um amor já tão destruído,
não vai haver quem resolva esse impasse
ou se apiede de sentimento corroído?
Sim, alguém há de vislumbrar tua face
e correr em teu auxílio forte,
pois que é mais fácil conceder a morte,
que entrar em guerra que se trace.
(E aquele patife, rato, roedor, cupim,
há de ter roído mais este amor até o fim.)

Patrícia Evans