CARTA DE AMOR

Duas gotas do teu perfume
Escorreram dos teus cabelos
Deixando um rasto incerto
Entre vales e montes:
Caminhos que os farejei depois...

Pensas que não te imagino só,
Na intimidade do teu quarto,
Nua de banho no teu espelho
Arrumando cabelos, examinando-se:

O contorno arrepiado do teu mamilo em pé,
A marca tênue do que se escondeu do sol,
A curvatura do teu flanco em meia volta de bailarina,
Os cabelos úmidos, jogados para trás, braços erguidos, em rodopio...

Pensas que eu não sei o que escondes primeiro,
Ajustando com os dedos as rendas brancas
Nos contornos mais sensíveis das tuas pernas?

O perfume, que distraído desceu feito orvalho,
Tu nem o percebeu, olhando para não-sei-o-que
Na tua boca que imagina beijos; por isso te arrepias
Quando te adivinho com o meu nariz:

Quanto menos souberes dos cheiros que procuro
Pelos segredos da tua pele,
Tanto mais deixaras escapar em teus lábios apertados,
Teus ais e gemidos por conta do teu corpo que se contorce
Por caminhos que andas na escuridão dos teus olhos fechados...

Contarei este segredo, jamais para ti:
Gosto quando voltas e abres teus imensos olhos e, sorrindo,
Parece querer saber que cheiros e gostos tenho eu...
E mergulho num vórtice:
Teus cabelos... o perfume... Incertos montes... Depois, depois...
Agora!

Não te conto que eu morro agarrado a tua carne:
Depois te beijo com ternura, uma vez, duas, três...
E ao menor sinal do teu quere-me,
Ajusto a minha geografia a tua para sermos um...

Eu ainda guardo aquela carta adolescente
Que me ensinou que o teu cheiro quente
É melhor que no papel...