Interminável cativeiro

Corta o espaço e o tempo um canto d'África norte, o lamento,
que no Brasil, se ouve na beira do cais. Um canto
de trabalho, um alento, vem de antigos canaviais.
Provêem de um escravo negro, e este, lançou do passado
tal alarido, desde o fundo escuro da senzala, da funda tortura
do tronco, e que, inda hoje, se faz ouvir na cidade
com o renovar de seu sentido. Hoje, cativos tais, milhares são,
com seus corpos nus e chagas em flor.
Esquecidos pelos senhores, desta nova escravidão,
estão em abandono, pelas celas das cadeias,
nos bondes/navios negreiros, nas vielas dos morros, nos guetos,
e por aí, vagueiam funâmbulos, vendendo esfuziantes,
sob a proteção das santas armas de repetição.
Vão compondo o cenário global das guerras,
de grande poder bélico/fálico, movidas pelo sórdido
poder do dinheiro. Todas as baixas nesta guerra
não serão mais do que negras, as perdidas crianças negras
da urbana selva. Que são elas todas negras, é inegável verdade.
Aqui somos mesmo, mestiços, para o bem ou para o mal,
da nossa plena latinidade. Largados, estes pequenos cristos
que matam e morrem, sem esperança ou culpa,
vivem sem veleidades. Não passam de inocentes,
rejeitados pela cidade. São pagãos e, reafirmo, todos negros,
inda que sejam caucasianos, tementes a Deus e saxões.
Andam por ai, prenhes de pecado e tomados de santidade,
as nossas pequenas crianças criminais, que não puderam ir à escola,
e nem, da mãe, ter um colo. Então, para salvar sua alma (e vida),
expiam suas dores sórdidas, na carregança das tantas cruzes.
Nada vale uma Democracia, que não protege crianças, e não
as faz alvo de políticas sociais. Uma governança de fancaria,
após outra, nada mais, nada mais. Ao contrário,
nossos políticos, porque cínicos, os explodem - as crianças,
com seus obuses fornidos, numa guerra trágica, fratricida,
surda e muda, guerra não declarada, guerra de extermínio a aqueles
mais pobres, e sem direitos. Uma guerra sem Geneve Conventio
Uma guerra sem Geneve Convention,
sem o glamour de um Tony Blair, ou a liderança de um Bucsh,
sem Guevara e sem Patrick Lumumba, sem Ho Chi Min, sequer um
Glauber Rocha, ou um Maiakovski, que lhe possa,
num épico, enfatizar. Só resta, às crianças,
expiar suas dores de escória, sabendo-se incapazes de salvar alguém,
com a constante visão de suas vísceras à mostra. Ricardo Sant´Anna Reis

                                                                 Ricardo Sant'Anna Reis

Enviado por Maria Angélica Bernardes Santos/Bilá

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