O AFRICANO E O POETA (*)

           Ao Dr. Celso Magalhães

                                              Les esclaves... est-ce qu'ils ont des dieux?
                                              Est-ce qu'ils ont des fils, eux qui n'ont point d'aieux?
                                                                                                           Lamartine

No canto tristonho
Do pobre cativo
Que elevo furtivo,
Da lua ao clarão;
Na lágrima ardente
Que escalda-me o rosto,
De imenso desgosto
Silente expressão;

Quem pensa? — p poeta
Que os carmes sentidos
Concerta aos gemidos
De seu coração.

— Deixei bem criança
Meu pátrio valado,
Meu ninho embalado
da Líbia no ardor:
Mas esta saudade
Que em meu túmido ansdio
Lacera-me o seio
Sulcado de dor,

Quem sente? — o poeta
Que o elísio descerrrqa;
Que vive na terra
De místico amor!

— Roubaram-me feros
A férvidos braços;
Em rígidos laços
Sulquei vasto mar;
Mas este quexume
Do triste mendigo,
Sem pai, sem abrigo,
Quem quer escutar?...

— Quem quer? — o poeta
Que os térreos mistérios
Aos paços sidérios
Deseja elevar.

— Mais tarde entre as brenhas
Reguei mil searas
Co'as bagas amaras
Do pronto revel;
Das matas caíram
Cem troncos, mil galhos;
Mas esses trabalhos
Do braço novel,

Quem vê? — o poeta
Que expira em harpejos
Aos lúgubres beijos
Da fome cruel!

— Depois o castigo
Cruento, maldito,
Caiu no proscrito
Que o simum crestou;
Coberto de chagas,
Sem lar, sem amigos,
Só tendo inimigos...
Quem há como eu sou?!...

— Quem há?... o poeta
Que a chama divina
Que o orbe ilumina
Na fronte encerrou!

— Meu Deus! ao prec ito
Sem crenças na vida,
Sem pátria queridam
Só resta tombar!
Mas... quem uma prece
No campo do escravo
Que outrora foi bravo
Triste há de rezar?!...

— Quem há-de?... o poeta
Que a lousa obscura
Uma lágrima pura
Vai sempre orvalhar!?

                                    Narcisa Amália

      
        Do livro: Narcisa Amália - Vida e Poesia, de João Oscar, Gráfica e Editora Lar Cristão, 1994, Campos/RJ

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