O Amor de Caetano e Maiakovski (*)


Talvez
quem sabe
um dia
por uma alameda
do zoológico
ela também chegará
ela que também
amava os animais
Entrará sorridente
Assim como está
na foto sobre a mesa

Ela é tão bonita
Ela é tão bonita
Que na certa
eles a ressuscitarão
o século trinta vencerá
o coração destroçado já
pelas mesquinharias

Agora vamos alcançar
Tudo o que não
Podemos amar na vida
Com o estrelar
Das noites inumeráveis

Ressuscita-me
ainda
Que mais não seja
Porque sou poeta
e ansiava o futuro

Ressuscita-me
lutando
contra as misérias
do cotidiano
Ressuscita-me por isso

Ressuscita-me
quero acabar de viver
o que me cabe
minha vida
Para que não mais
existam amores servis

Ressuscita-me
para que ninguém mais
tenha de sacrificar-se
Por uma casa
Um buraco

Ressuscita-me
Para que a partir de hoje
A partir de hoje
A família se transforme

E o pai
seja pelo menos
o Universo
E a mãe
seja no mínimo
A Terra
A Terra
A Terra

                              Caetano Veloso


O AMOR

Um dia, quem sabe,
ela, que também gostava de bichos,
apareça
numa alameda do zoo,
sorridente,
tal como agora está
no retrato sobre a mesa.
Ela é tão bela,
que, por certo, hão de ressuscitá-la.
Vosso Trigésimo Século
ultrapassará o exame
de mil nadas,
que dilaceravam o coração.
Então,
de todo amor não terminado
seremos pagos
em inumeráveis noites de estrelas.
Ressuscita-me,
nem que seja só porque te esperava
como um poeta,
repelindo o absurdo quotidiano!
Ressuscita-me,
nem que seja só por isso!
Ressuscita-me!
Quero viver até o fim o que me cabe!
Para que o amor não seja mais escravo
de casamentos,
concupiscência,
salários.
Para que, maldizendo os leitos,
saltando dos coxins,
o amor se vá pelo universo inteiro.
Para que o dia,
que o sofrimento degrada,
não vos seja chorado, mendigado.
E que, ao primeiro apelo:
– Camaradas!
Atenta se volte a terra inteira.
Para viver
livre dos nichos das casas.
Para que doravante
a família seja
o pai,
pelo menos o Universo;
a mãe,
pelo menos a Terra.

                  Vladimir Maiakovski (1893 - 1930)
                    
Tradução de Haroldo de Campos

Enviado por Rubens Shirassu Jr.

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N.E.: A primeira parte trata-se de composição de Caetano Veloso e Ney Costa Santos, vasada em poema de Vladir Maiakowski, 5ª faiza do Lado 1 "Fantasia", cantado por Gal Costa. A segunda consitui-se do poema do poeta russo, escrito em 1913, o qual deu origem à versão de Caetano. A poesia de Maiakovski consta do livro: Poemas de Maiakovski, com traduções de Boris Schnaiderman, Augusto de Campos e Haroldo de Campos. Editora Perspectiva, 9ª edição, 2013. Deve-se a Rubens Shirassu Jr. o enfoque comparativo.

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