NA VELHICE

Vou chegar à velhice
com o olhar seguro
e o corpo pleno de mundo
Marcado pela espada dos dias
morando sob paredes
de areia e neve

Vou ficar vlho
como figueira
alimentada de terra
calmo e duro
a percorrrer caminhos
repletos de emboscadas
talhado no cinzel da vida
assimilada bruta

Os novos dirão:
de onde vieste?
Levantarei devagar os olhos
e arrancarei respeito
com palavras fortes

Não me importarei com meu corpo
e serei, na velhice
belo como casa de barro
que cruza o inverno
com sua aspereza eterna
Severo como pastor armado
em busca das ovelhas roubadas

O tempo dirá:
aqui pesam sessenta anos
e calará
pois terei seu corpo palpitante
nas minhas palmas enormes
como uma pomba
pronta sempre
a escapar para longe

Assim, na velhice
viverei o susto do tempo
preparado para colher sua fuga
a qualquer hora

Agora eu estou partindo
tímido e novo
em busca do arrulho áspero
que palpita nos olhos do mato
que me circunda

                                       Nei Duclós

Do livro: Outubro, A Nação/Inst. Est. do Livro, 1975, POA/RS

« Voltar