VÔOS CIBERNÉTICOS E TRANSGRESSÕES TRANSGREDIDAS EM COLIBRI DEFLORA OS CHATS:  SEXO, AMIZADE, E AMOR PELA INTERNET
 

Steven F. Butterman (*)


    Se vocês me permitirem, gostaria de abrir minha comunicação hoje com uma citação que, ao meu ver, destaca a estética poética do cibernético e, ao mesmo tempo, nos provoca a pensar em como teríamos reagido  se Caetano Veloso tivesse cantado  “Navegar é preciso” nesta altura da Internet oferecendo-nos tantas realidades simultaneamente virtuais.  A passagem foi construída por um arquiteto norte-americano chamado Marcos Novak, ao apresentar uma comunicação no ano de 1990 (é—no outro milênio) durante O Primeiro Congresso Internacional de Ciberespaço na University of Texas at Austin.  Não me atrevo a traduzir o verso para o português, pois prefiro que Caetano ou outro MPBista  faça bem melhor o mesmo dever com a sua arte musical.  É o seguinte:

“Cyberspace is poetry inhabited, and to navigate through it is
 to become a leaf on the wind of a dream.”
    Quem nos disse que a estética pós-modernista não nos permite um grau de romantismo, hein?
Mas eu não estou aqui para poetar nem para surfar.  Gostaria de curtir um vôo junto com vocês, uma peregrinação cibernética que nos leva a uma determinada sala de bate-papo (ou seja, chat room) nalgum território brasileiríssimo que paradoxalmente ocupa simultaneamente o ciberespaço universal e desterritorializado.  Gostaria de problematizar noçðes de ficção durante esta viagem, da perspectiva pós-moderna, indagando como esse texto consegue ultrapassar os limites da transgressão já inscritos dentro dos parâmetros da teoria pós-modernista.  Talvez a primeira transgressão deste texto que pretendo analisar hoje seja a impossibilidade da sua classificação genérica.   Colibri deflora os chats:  Sexo, amizade e amor pela Internet, escrito por Urhacy Faustino em 1997, resiste até a narratividade.  Mas antes da nossa decolagem coletiva, vamos esperar só um minutinho para olhar as possíveis saídas do avião em caso de emergência e para contemplarmos o valor de participar desta viagem no primeiro lugar (e, espero, na primeira classe).  Vale a pena acompanhar a viagem, especialmente no hi-tech “hiper-texto” da atualidade, os incessantes e inesperados choquinhos e buraquinhos eletrônicos provocando ansiedade e nojo no meio do caminho?  Acredito que para entendermos melhor o pensamento pós-modernista feito ainda mais complicado em tempos cibernéticos, é preciso navegar, sim.  Como afirma Marie-Laure Ryan na Introdução de Cyberspace Textuality:  Computer Technology and Literary Theory, uma coletânea importantíssima de ensaios e artigos publicado em 1999 pela Indiana University Press:  “In postmodernism, the ideal of the total work gives way to the idea of universal intertextuality:  every individual text is linked to countless other ones, and the whole is reflected in every [one] of its parts . . . In the electronic age, thanks to the hyperlink, the text literally becomes a matrix of many texts and a self-renewing entity”  (14).
    O texto que vou comentar com vocês tem muitos outros traços pós-modernistas, inclusive uma celebração lúdica—na verdade, quase que carnavalesca—e  uma certa autorreferencialidade irreverente que quer testar os limites da sua própria transgressão.  Como diz Robert Wilson no seu artigo fundamental, “Play, Transgression, and Carnival,” a vontade de quebrar regras constitui  parte fundamental do universo da transgressão na literatura  pós-modernista.  Wilson até define o uso de transgressão como uma espécie de rito de passagem entre o moderno e o pós-moderno, destacando que no universo do pós-moderno, “All language may be said to transgress itself:  it always subverts, through its inherent abstractness and arbitrariness, the conventions of its speaking, or its writing, even if that is not readily perceived.”
     Em Colibri deflora os chats, percebe-se muito bem este processo, colocando em prática exatamente o que Wilson destaca na teoria:  uma qualidade mansamente brincalhona, uma postura lúdica quanto ao leitor e ao texto em si.  Na verdade, uma entrada no infinito espaço de ciberespaço possibilita muitos jogos lúdicos de um processo que gostaria de chamar de “brincadeira produtiva.”  É muito bom lembrar o conceito que Marie-Laure Ryan destacou no seu texto referido um pouco antes:  “If we live in a ‘virtual condition,’ it is not because we are condemned to the fake, but because we have learned to live, work, and play (AND PLAY) with the fluid, the open, the potential”  (94).  A força libertadora da transgressão pós-moderna  (como quer Wilson) parece encontrar seu valor mais profundo justamente dentro deste universo repleto de infinitas possibilidades virtuais.  Ryan expressa esta abertura para a liberdade sucintamente quando escreve:  “The attitude promoted by the electronic reading machine is no longer ‘what should I do with texts’ but ‘What can I do with them”  (99).
     Colibri deflora os chats serve como um manual de possibilidades.  Urhacy Faustino, artista, poeta, e “internauta” paulista,  publicou este texto em 1997, apresentando ao leitor três personagens principais (ou seja, “screen names”) da sua invenção:  colibri; hhhh; e virgem.  O principal objetivo para esta galeria de personagens é navegar a rede, voando, de madrugadinha, desde uma sala de chat para outra, em busca de compatibilidade cibernética, de cibersexo ou às vezes apenas uma boa dose de “redamizade.”  Ao longo dessas viagens eletrônicas, estas personagens também procuram entender (ou pelo menos exibir) as complexidades do instinto sexual humano e a construção de identidades cibernéticas em fluxo, revelando e descobrindo múltiplas subjetividades através de assumir uma variedade de máscaras carnavalescas, desfilando-se numa parada de “screen names” e “nicknames.”
     Colibri deflora os chats leva o leitor a novos limites dentro do universo infinitamente aberto de transgressão.  O texto nem deixa a gente contemplar com aquela velha perspectiva cética do pós-modernismo, querendo saber o que acontece quando a própria transgressão acaba se transgredindo, ou seja, is anything REALLY transgressive anymore?  Vários teóricos da “e-culture,” se me permitirem a expressão, já afirmaram que quando as palavras pulam da página para a tela, o processo de leitura vira mais flexível e interativo.  O leitor, com este grande poder de modificar, de manipular, de sujar o texto, literalmente converte-se em seu autor.  Existe também um paralelismo instrínseco entre as salas de chat e a ficção, pois todo mundo faz “scripts”, inventando identidades, mascarando-se no palco.  Um menino de 14 anos, por exemplo, pode se metamorfosear  (ou seja, a pergunta frequentemente feita, “M or F”, morf) virtualmente em mulher de 21 anos.
    Tudo bem . . . mas o que acontece—o que podemos dizer—quando as palavras flutuando na tela voltam para a página escrita, ironicamente fixando o “hipertexto” dentro de um posicionamento tradicionalmente rígido e permanente, ou seja, transgredindo o estado, digamos, “natural”, da sua aparente liberdade e re-inserindo-se dentro da prisão da página escrita?  É como se fossem palavras vivas, em construção contínua, transformadas em palavras mortas, estagnadas…  Pensem na relativa liberdade do Carnaval antes do re-estabelecimento da “ordem” hierárquica depois daqueles dias dionisíacos de festa e de folia . . .  Quais as implicações estéticas e as conseqüências formalistas evidentes na transposição de uma dança eletrônica de palavras encontrando-se limitadas novamente às páginas permanentemente marcadas de um livro, palavras transformadas em produto  pronto para ser consumido?  E o que nos indica este fetichismo de construir um transcrito, de tirar uma foto de palavras eletrônicas em movimento para que o dinamismo vivo delas se converta em apenas memória (em apenas aquela “folha no vento de um sonho”)?
     Acho que encontraremos algumas destas respostas ao referir-nos ao texto em si.    Colibri. . .  lê-se como uma série de dez sessões de chat cujo principal fio organizador é as “viagens” dos personagens destacados.  Como se classifica tal texto?  A sua clara divisão em capítulos, o progressivo desenvolvimento dos personagens, e a consistência da temática gera uma certa continuidade que nos faz pensar no gênero romanesco, apesar dos enredos e situações pouco convencionais.  Esta aparente continuidade estabelece-se também no final de cada capítulo, embora de uma maneira brusca e irônica, com as palavras “Transferência Interrompida.”  Cada sessão de chat termina de repente, sem resolução nem despedida.  No entanto, o texto, uma coletânea de conversas que gostaria de chamar de “dial – log –ins,” usa e abusa os meios eletrônicos da comunicação de uma maneira tão informal e espontânea que parecem imitar a convenção do diálogo que se encontra no teatro, tendo muito a ver com a arte da improvisação.  O livro, pois, pode ser lido e apreciado também como peça de teatro.  Mas existem várias outras (infinitas, eu diria) tipos de leituras:  talvez o texto seja um estudo sociológico ou até antropológico de como os “internautas” se encontram, se perdem, e se desdobram nas salas de chat.  Ou talvez a narração sirva para apresentar uma nova língua do novo milênio, empregando um hiper-texto experimental baseado nas convenções da “redês” (ou seja, a linguagem da Internet), inclusive a falta de acentuação, a falta de letra maiúscula, a falta de pontuação, tipo negrita para expressar desabafos emocionais, descuido com a ortografia correta, e outras feições do tipo?  Será que o emprego deste novo “jargão” chega a criticar uma linguagem particular neologistica e ceticamente identificada no texto como “CHATura”?  Tem mais possibilidades, mais potencialidades, mas como o tempo da nossa sessão se mede em “real time,” vou apenas destacar mais três modos de possível interpretação.  Colibri… tem o valor cinemático e performativo de uma tele-novela, embora não atinja a alta qualidade que esperamos da novela brasileira.  Por outro lado, o leitor crítico até pode perceber o texto como se fosse um manual de instrução pseudo-didático, ditando comportamentos responsáveis enquanto se visita as salas de chat.  No lugar do convencional Prefácio ou Nota do Autor, o leitor encontra uma listinha meio séria consistindo de dez ítens, oferecendo as “Dicas para um bom relacionamento sexual, amigável ou amoroso, pela rede.”  Mais interessante ainda é o fato que este texto de certa maneira atualiza a fantasia pós-moderna (e portanto o pesadelo do crítico literário) de misturar e confundir quaisquer diferenças entre autor, personagem, ator, e espectador.
     Apesar da enorme versatilidade de possíveis classificações, gostaria de oferecer, nos poucos minutos que me restam, uma leitura “sacanagística” deste texto, se me permitirem uma transformação neologística do substantivo “sacanagem” para seu equivalente e inexistente adjetivo.  Em Colibri deflora os chats…, predomina a imagética de pássaros e de vôo.  A protagonista colibri se caracteriza como carioca  de 17 anos em estado de “quase virgem.”   Só depois de chegarmos ao quinto capítulo é quando entendemos o significado do “screen name” que ela adotou.  Durante uma das suas ciber- conversas, ela tecla:  “colibri e um passaro tropical que vive de nectar e por isso tambem e conhecido como beija-flor.  Uma delicadeza que so a natureza poderia criar (91).”  Interessante notar aqui, de passagem, o contraste estabelecido entre a natureza e a tecnologia.  Durante Capítulo 1, “O primeiro vôo,” colibri sustenta um violento ataque eletrônico feito por um chatter (digamos “chateiro”?) chamado de “Bob.”  Este “Bob” insiste para colibri revelar se é homem ou mulher para que ele possa seguir com suas fantasias sexuais.  Depois de ignorar pela terceira vez a pergunta do persistente Bob, aliás, ironicamente querendo estabelecer certezas definitivas apesar do caráter totalmente fictício do chat, colibri responde finalmente, em texto do tipo negrito (ou seja, gritado):  “…respondendo a tua pergunta:  depende da tua fantasia.  A principio colibri é colibri”  (17).  Depois deste assalto sobre uma identidade enigmática que ela queria manter escondida, colibri se recupera e relata o incidente a outro chatter, que acaba defendendo colibri e atacando o Bob, desta vez com letras negritas E simultaneamente maiúsculas.  Colibri agradece o apoio e dá-se conta que seus vôos cibernéticos podem ser até perigosos, pois outra raça de pássaro bem mais agressiva também ocupa as mesmas ondas de ciberespaço:  “cara, voce nem me conhece e me defendeu.  Vou seguir o teu conselho:  cuidarei do meu voo e evitarei os urubus”  (17).  Aprendendo aos poucos as regras do jogo, por assim dizer, a nossa colibri vira cada vez menos “virgem” e mais “esperta”.
     Os urubus que abundam não são os únicos malandros do texto com vontade de cometer sacanagem no seu sentido negativizado.  Na verdade, o pior vilão em todo o território do ciberespaço é, sem dúvida, o “hacker.”  Este personagem aparece ao longo do capítulo chamado de “Sexo virtual ménage,” procurando assumir e representar a identidade de outros “screen names” com a cruel meta de estragar novas amizades cibernéticas em formação!  And he or she would have won, too, if it had not been for colibri, de certa maneira nossa heroína!  Quando ela se dá conta do “e-sacana,” começa a avisar para todos os outros participantes da sala de chat que todos estão sendo enganados por um voyeur possuindo as identidades (ou seja, os screen names) de outros chatters na sala.  Grita:    “GENTE, TODAS AS MENSAGENS QUE NAO TEM NICK ANTES DOS DOIS PONTOS SAO FALSAS . . . ATENCAO!!!”  (102).  Interessante notar a insistência em realidades solidificadas, dado que o meio da comunicação é virtualmente impossível.  O / A “hacker” consegue mascarar-se usando e abusando a identidade de outros personagens na sala, temporariamente provocando interações hostis entre os “internautas.”  Este aspecto meio carnavalesco do vôo constitui apenas uma entre várias expressões metafóricas de adotar, assumir e desempenhar identidades performativas pós-modernistas.  Na verdade, o leitor crítico não consegue fugir do seu próprio estado de vítima, pois os diálogos ao longo do texto são cheios de enganos e desilusões—enfim, sacanagem por excelência.  Reconheça quanto reconhecer os traços, as características dos personagens no texto, o leitor cuidadoso  permanece na dúvida.  Por exemplo, o primeiro “screen name” a revelar seu “nome verdadeiro” (se nele acreditarmos), faz isso—e com muita cautela e resistência—somente durante o sexto capítulo.  Personagem secundário MATT DILON  perde sua grandeza a se transformar em “just” Leonardo, encorajado a revelar seu nome verdadeiro enquanto bate o papo com “virgem,” com quem percebe uma crescente intimidade “internauta.”  O suposto desmacaramento do Leonardo provoca outro “coming out,” desta vez bem mais pessoal:  virgem se desmacara e transforma-se em Fabrizio, identificando-se como homem gay que supostamente nunca vivenciou uma experiência sexual com outro homem.  O primeiro personagem a fornecer informações “reais,” ou seja  não-virtuais, faz isso somente ao final do nono capítulo, quando virgem / Fabrizio lhe dá seu telefone e endereço residencial para matt dilon / Leonardo.  O capítulo nove chama-se “Adeus, virgem,” refletindo muito bem a decisão deste personagem de abandonar a segurança conseguida pelo nome “virtual” e virar dono do seu nome “real.”  Nesta altura do diálogo, Leonardo e Fabrizio combinam um encontro “real,” ou seja físico, mas esta reunião não se desenvolve no texto.  E com boa razão:  a realidade não-virtual não entra nas suas páginas.
     Colibri, por outro lado, cultiva sua identidade cibernética de tal maneira que, ao proclamar seu afeto pelo Eros, ela insiste, quebrando o coração cibernético dele:  “so posso ser tua pela Internet”  (21).  A quentemente debatida questão da monogamia se encontra relevante também na esfera dos encontros virtuais, pois Eros acusa colibri de infidelidade simplesmente porque ela resolveu estabelecer e manter relações cibersexuais com outros chatters que freqüentam a sala.  Interessantemente, colibri equivale sexo virtual com virtude em si, destacando em determinado momento que “nosso namoro e virtual, virtuoso.”   Na verdade, a virgindade e a virtualidade são repetidamente justapostas ao longo do texto.  Com a crescente subordinação de noções físicas da realidade baixo a superioridade da realidade virtual, acontecem alguns momentos marcantes e deliciosamente engraçados, como quando um hhhh sexualmente frustradinho grita para ZOOFILA:  “nao estou sentindo sua chupada.  Voce esta me chupando ou nao??????…”  (110).  Durante vários encontros estabelecidos pela sala de chat, um personagem recebe por acaso (ou talvez interceda propositalmente) uma mensagem direcionada a outro chatter, revelando portanto um entre vários perigos de tais vôos.
     Mas ali não pára a sacanagem do texto, não.  Ao longo do livro, o gênero (no sentido de “gender”) muitas vezes resulta ser ambíguo, alguns personagens assumem simultaneamente múltiplos “screen names” e outros entram em duas salas de chat ao mesmo tempo, sob a máscara de diversas identidades.  Interessante notar aqui que a tensão dramática implícita entre apenas dois personagens da sala, contrastada com ricas interações e jogos de sedução entre a inteira comunidade “chateira”  talvez sirva como metáfora descrevendo como é tão diferente nosso comportamento social durante situações grupais comparado com ambientes ocupados por apenas duas pessoas.  A heteroglossia bakhtiniana exemplificada em diálogos com vinte ou mais “screen names” conversando (pois é, teclando) ao mesmo tempo durante qualquer momento determinado da narração pode enjoar, desorientar, e confundir até o leitor mais perspicaz.  Talvez interpretemos essa técnica como sendo uma reconfiguração pós-modernista da problemática de pseudonímia, ou em alguns casos, da heteronímia.  Os personagens, na verdade, procuram cumprir o futil sonho modernista de Fernando Pessoa quando se desdobrou em Álvaro de Campos, ao tentar atingir um estado utópico da existência possibilitando o “Ser tudo de todas as maneiras.”  Talvez este sonho se transforme em realidade virtual, alcançada por produtivos vôos feitos no ciber-espaço . . .
     Para terminar este nosso vôo juntos, gostaria de apontar para minha própria experiência desconcertante na hora de ler esse texto.  Para realmente compreender o desenvolvimento psicológico dos relacionamentos afetivos entre os vários “screen names,” tive que ignorar o “barulho” da conversa fiada de outros personagens secundários, interagindo de maneira tão superficial, me distraindo dos diálogos mais intimistas estabelecidos nas comunicações interativas da colibri, hhhh, e virgem.  Neste processo frenético de tentar privilegiar a voz de poucos num universo completamente polifônico, tive a vaga sensação de ter me transformado em voyeur, patetica e urgentemente querendo saber das conversas cibersexualizadas trocadas de madrugada—encontros imaginários, sim,  mas virtualmente possíveis.
     É, é verdade--eu, como crítico literário, me converti no “hacker” mais violento do texto.  Depois de chegar meio que abruptamente no “Fim da conexão,” ou seja,  no finalzinho do texto, me pergunto se minha navegação foi feita em vão, se realmente valeu a pena?  Respondo que navegar foi preciso, sim.  Mas confesso uma pequena sacanagem da minha própria invenção:   curti, afinal de contas, uma viagem de barco e não de avião.  Foi preciso navegar num navio carnavalesco para testar os limites da linguagem, passando das páginas impressas de um livro, viajando até as palavras dinâmicas produzidas pela tela do computador, e voltando novamente—fim do Carnaval—para as páginas consagradas do livro.  Durante a viagem, senti a nítida sensação de estar afogando, sim, mas sobrevivi.  Enfim, escorreguei e mergulhei no imaginário cibernético da sala de bate-papo com este romance.
     Para encerrar esta minha comunicação sobre a virtualidade, gostaria de reiterar principalmente sua ligação com a ficção, e portanto, o tema do nosso painel de hoje.  Para fazer isto da maneira mais eficiente, cito apenas duas sentenças escritas por Miriam Alves no seu artigo, “Lésbica Virtual — Configurações de uma Cibercultura”:  “O olhar virtual captura o outro naquilo que deseja ser capturado e da forma que deseja ser capturado e capturar.  Pode-se ser o que quiser:  idade, sexo, profissão, aspecto físico, história pessoal; em outras palavras, escolhe-se um aspecto da própria vida ou inventa-se um, como quem cria uma personagem.  Criando-se um enredo, faz-se o que se quiser, estabelece-se uma inter-relação com o outro, numa interface”  (67).

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(*)  PHd, Prof. da Universidade de Miami (EUA)
 

Página atualizada em  15 de agosto de 2002

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