MENSAGENS ONÍRICAS

Solange Firmino (*)

             Desde os tempos mais remotos, o homem utiliza seus sonhos para obter conselhos, resolver problemas e curar suas enfermidades. Antigas gravações sobre tábuas de pedra revelam que os Gregos, do século VI a.C. ao século V d.C., realizavam nos santuários de Esculápio - deus da saúde, curas miraculosas através dos sonhos.
            Mas eles não foram os únicos. Hebreus, Egípcios, Hindus, Chineses, Japoneses e Muçulmanos também praticaram a cura através dos sonhos. Até mesmo Hipócrates - pai da medicina moderna, escreveu um “Tratado dos Sonhos”, onde indica a utilização terapêutica de certos símbolos oníricos.
            Os psicólogos modernos vêem os sonhos com uma linguagem do inconsciente, portanto, uma realidade psicológica.
            Queiramos ou não, os sonhos nos afetam. Tratam de uma realidade com a qual temos de conviver e, por isso, temos de entendê-la, ainda que basicamente, para que possamos integrá-la de forma positiva às nossas vidas.
           Todos temos em nosso interior uma série de sonhos artísticos, familiares, econômicos, sociais, políticos, etc.
           Todos estamos em contato com esse mundo interior onde vivem os Arquétipos, onde estão os sonhos.
           E todos, às vezes, em nossa humildade, em nosso recolhimento, sentimos vibrar as grandes asas dos sonhos. Há vozes misteriosas que nos ditam os poemas, há músicas estranhas entre os murmúrios das folhas, que não podemos plasmar porque não sabemos manejar instrumentos ou porque não conhecemos a linguagem da Música. Às vezes nos ocorrem idéias sobre como fazer tal coisa...

           Algumas definições

                      •  Os sonhos nos permitem a satisfação de nossos desejos inconscientes, aqueles que são reprimidos pela censura de nossa consciência quando em estado de vigília.

                      •  Os sonhos nos ajudam a ajustar nossa visão da realidade, uma vez que nos mostram um aspecto dessa realidade que percebemos inconscientemente, mas que não foi possível ainda assimilá-la à nossa consciência em estado de vigília.

                      •  Os sonhos são prenunciadores do futuro.

                      •  Os sonhos são imagens caóticas produzidas como conseqüência do metabolismo que nosso organismo realiza quando dormimos.

                      •  Os sonhos são imagens que refletem a experiência que nossa alma (corpo astral/psique) realiza quando dormimos, podendo, eventualmente, essa experiência ser realizada fora do corpo.

                      •  Na visão freudiana, os sonhos são considerados de forma predominante como a satisfação de desejos reprimidos.

           
            Qual é a mais correta?
 

           É provável que todas estejam corretas e são parte de uma realidade ampla e desconhecida na sua totalidade.
           Na visão da psicologia moderna, os sonhos são manifestações do inconsciente (daquilo que atua sobre nós, mas que não temos consciência plena).
           Quanto à abrangência do Inconsciente, ainda não há um acordo entre as correntes atuais da psicologia.
           A linha freudiana restringe o inconsciente às experiências do próprio indivíduo; a linha junguiana agrega a essas experiências aquelas vividas de forma coletiva.
           De qualquer forma, nossa psique/alma participa de dois mundos diferentes: um consciente, sobre o qual temos acesso e controle; outro inconsciente, sobre o qual não temos nenhum acesso ou temos acesso parcial (através dos sonhos, por exemplo) e quase nenhum controle.
           Portanto, considerar que o sonho é o reflexo da experiência que nossa alma realiza quando dormimos, ou que é a manifestação do conteúdo de nossa vida psicológica inconsciente, é somente uma questão de semântica.

           
            Na mitologia

           Na mitologia grega, Hipnos, Deus do Sono, é o irmão gêmeo de Thanatos, a Morte; ambos filhos da Noite.
           Hipnos tem por filho Morfeu, o Deus dos Sonhos.
           Morte, Sono e Sonho são parte de uma mesma família, alimentada pela mãe inspiradora, a Noite.
           Morte e Sono são efetivamente dois estados nos quais o ser escapa do consciente e onde o inconsciente se exprime.
           O sonho é, então, uma porta que se abre através do universo gigantesco.
           A expressão "caindo no sono" é muito simbólica. No momento de uma sessão de hipnose, o analista diz que os pacientes dizem sentir o corpo flutuando e girando como um pião, prestes a se precipitar em uma queda.
           Seja qual for o relato, o espaço sempre parece se abrir para que a pessoa "caia".
           Crenças animistas dizem que durante o sonho a alma deixa o corpo e retorna ao despertar. Uma dia ela não retornará mais e será a morte.
           Testemunhos de várias culturas demonstram que o sono - em que desaparece nosso estado de consciência , leva-nos a um mundo interior.
           O sonho é um modo privilegiado de conhecimento de si mesmo, é a mensagem que nos leva ao inconsciente.
           Não se limita à vida pessoal, mas coloca-nos em contato com realidades dos arquétipos universais, através de imagens simbólicas.

 

           Símbolos – a linguagem dos sonhos

           
Algumas correntes de analistas consideram que os sonhos utilizam uma linguagem simbólica para disfarçar a realidade e, assim, poder expressá-la sem a censura da consciência.
           Os símbolos da imagem onírica são, predominantemente, constituídos por imagens cujo valor (estado afetivo que desperta) e significado está, na maioria das vezes, internamente ligado à vida consciente do sonhador. Por isso, não é possível estabelecer uma relação universal direta entre a imagem e seu significado.
           Um cavalo que aparece no sonho de um homem do campo, com grande probabilidade, não terá o mesmo significado do que o mesmo animal no sonho de uma pessoa que nasceu e viveu numa grande cidade.
           Contudo, existem critérios gerais que nos permitem analisar e interpretar alguns sonhos.



            Sonhos que devem ser interpretados

           Somente os sonhos repetitivos e os “marcantes” requerem interpretação quando conseguimos recordá-los plenamente.
            Os sonhos repetitivos normalmente têm mensagens importantes que precisam ser codificadas, pois denotam a existência de uma realidade que precisa urgentemente fazer parte de nossa vida consciente.
           Sonhos marcantes são aqueles que nos despertam, sem nenhum motivo aparente, exceto o próprio sonho que “quer tornar-se consciente”.
           Os pesadelos não podem ser considerados como “marcantes”, suas causas são variadas e podem estar relacionadas com a disposição física do sonhador: posição em que está deitado, alimentação, etc.
           Quando são repetitivos, é provável um distúrbio no campo psicológico: fobias, traumas, etc.


           
            A localização no tempo

           O sonho pode estar relacionado com ações do passado, presente ou futuro. A velocidade da ação de nossa psique/alma é infinitamente superior àquela percebida pela nossa consciência de vigília.
            Essa velocidade permite ao sonho quebrar as barreiras do tempo e do espaço. Isso nossa consciência tem dificuldade de aceitar. O homem consciente está preso no espaço-tempo.
           Mas nossos sonhos não sofrem a restrição de nossa consciência de vigília.

Interpretar um sonho é encontrar o significado que
o conteúdo tem para o sonhador.

           Os sonhos são um fato que nos obriga a transformar os limites que delimitam o mundo da realidade criada pela nossa visão racionalista da existência. Mostra-nos uma realidade que a razão esconde, mas que necessita expressar.
            Como a linguagem simbólica, os sonhos talvez não necessitam ser totalmente interpretados, assim como a Beleza.
            Para viver os mistérios da vida não é suficiente razão.
            Necessitamos também dos sentimentos, da intuição, da vontade, da fé, de uma estrela que nos inspira e que nos dê o sentido da vida.
           Enfim, se não somos capazes de saber o significado do que vivemos cotidianamente, também não seremos capazes de saber o significado dos sonhos.



           Os sonhos segundo a Psicanálise

           “A interpretação dos sonhos”, de Freud, ficou pronta em 1899. no decorrer desse processo houve a descoberta do Complexo de Édipo: os impulsos hostis dirigidos contra os pais são um elemento integrante das neuroses e que, no filho, esse desejo de morte está voltado contra o pai, enquanto na filha está voltado contra a mãe.
            O termo “Complexo de Édipo” só aparecerá em 1910.
            Freud dizia que a diferença entre a neurose e a saúde está nos sonhos. Ele diferenciava o sonho normal – em que há um sentido, e sonhos que são realizações de desejos.
           Enquanto fenômenos psíquicos, os sonhos são produções e comunicações da pessoa que sonha.
           O que é interpretado psicanaliticamente não é o sonho, mas o seu relato.
           A função da interpretação é exatamente a de produzir a inteligibilidade desse sentido oculto.
           Vejamos a primeira afirmação, a de que os sonhos possuam um sentido:

 

           Sentido e interpretação

           Freud afirmava que os sonhos têm sentido e que um método científico de interpretação é possível.
           Ocorre que o sentido do sonho não é imediatamente acessível nem ao sonhador nem ao intérprete. O fato é que o sonho é sempre uma forma disfarçada de realização de desejos que, nessa medida, incide sobre ele uma censura cujo efeito é a deformação onírica.
           O sonho que recordamos é uma deformação cujo objetivo é proteger o sujeito do caráter ameaçador dos seus desejos.
           O sonho recordado é, pois, um substituto deformado de outra coisa, de um conteúdo inconsciente, ao qual se pretende chegar através da interpretação.
           O sonho se inscreve em dois registros: o que corresponde ao sonho lembrado e contado pela pessoa, e um outro oculto, inconsciente, que pretendemos atingir pela interpretação.
           Ao material do primeiro , Freud chama “conteúdo manifesto do sonho”, e ao segundo “pensamentos oníricos latentes”.
           Convém lembrar que o que se interpeta não é o sonho, mas o relato dele, isto é, ao nível da linguagem e não ao nível das imagens oníricas recordadas.

 

           Os sonhos segundo a Filosofia Esotérica

           O princípio ativo durante o sonho é kama, o manas inferior. É o instinto, não a razão, que está ativo nele. Durante o sonho do corpo, mecanicamente recebem e enviam descargas elétricas até e desde diversos centros nervosos.
           A memória armazena sem ordem nem seqüência. Ao despertar, estas impressões se borram gradualmente.
           A natureza e funções dos sonhos verdadeiros não podem ser compreendidas a menos que admitamos a existência de um Ego imortal no homem mortal, independente do corpo físico... São experiências do homem interno, cuja recordação confusa é deformada mais ou menos por nossa memória física no momento de despertar – esta capta mecanicamente umas poucas impressões dos atos realizados pelo homem interno durante suas horas de completa liberdade.
           Podíamos comparar o Ego real a um prisioneiro e a personalidade física com o carcereiro de sua prisão.
           Se o carcereiro dorme, o prisioneiro escapa ou, pelo menos, transpõe as paredes de sua prisão. O carcereiro está semidesperto e olha, cabeceando todo o tempo fora da janela através da qual só pode captar vislumbres ocasionais de seu prisioneiro, como uma sombra que estivera se movendo em frente a ele.
           Que pode perceber ou conhecer das verdadeiras ações daquele a quem custodia? Esses reflexos no cérebro da pessoa que dorme, como sombras exteriores que se projetam sobre as paredes de lona de uma tenda.
           Então, o homem pensa que sonhou... o sonho foi o reflexo deformado dos pensamentos do Ego (Manas), altamente espiritual e que está ligado com os princípios superiores, buddhi e atma.
           São as impressões projetadas no homem físico por este Ego o que constitui o que denominamos “consciência”, e na proporção em que a personalidade, o manas/alma inferior se una a sua consciência mais elevada/ego, é que a ação do último sobre a vida do homem mortal se caracteriza mais. Este Ego é o manas superior iluminado por Buddhi, o princípio da autoconsciência.
          Sem dúvida ocorre com freqüência que não recordamos haver sonhado nada, mas mais tarde, no decorrer do dia, a reminiscência do sonho surge, de improviso, em nós... Uma sensação, um cheiro, um ruído, um som nos trazem à mente coisas esquecidas, cenas, pessoas. Algo que o Ego imprimiu naquele momento no cérebro físico... o cérebro introduz dentro da memória consciente do homem desperto.
         

            O que distingue os estados de memória e imaginação que “sonham” daqueles da consciência desperta?
            Durante o sonho, a memória física e a imaginação são naturalmente passivas, porque a pessoa que sonha está dormindo.
            Deste modo, a consciência não está ativa, mas passiva. O homem interno atua independentemente durante o sonho do corpo...
            A vontade do homem externo, que fica naturalmente dormindo durante o sonho... Pode atuar em harmonia conscientemente durante o sonho físico, mas pertence ao adestramento do ocultista muito adiantado, um Adepto.
            Os Adeptos são classificados segundo os princípios que dominam. A vontade é do Ego superior.
            Os adeptos não sonham. Adepto é alguém que conseguiu o pleno domínio sobre os quatro princípios inferiores, inclusive o corpo. Ele simplesmente paralisa seu eu inferior durante o sonho e converte-se em um ser livre.
            O sonho, tal como o entendemos, é uma ilusão... Durante o sonho ele vive plenamente em outro plano mais real.
           

           No caso das pessoas que têm sonhos proféticos, pode dizer-se que se devem a que seu cérebro e memória físicos estão em mais estreita relação e simpatia com seu Eu superior.
           Geralmente é o cérebro físico do Ego pessoal, o assento da memória – que sonha. Mas tudo depende do indivíduo, qual dos seus princípios é o mentor principal dos sonhos, e se recordará ou esquecerá.
           Se o Ego pessoal está em contato com seus princípios superiores ou é de uma materialista natureza animal, verá imagens e sons retorcidos e inarmônicos que, diante de uma visão “devachânica” parecerá um pesadelo (¹) ou uma caricatura grotesca.
                      Obs.: nenhum ser devachânico pode descer ao nosso plano,somos nós, nosso eu interno – que tem que ascender até o seu.

           Há certa analogia entre o sonho e a morte, mas há também uma grande diferença.
           Durante o sonho existe uma conexão entre a mente inferior e a superior do homem. O corpo morto, de ilusão, abandona seus próprios recursos.

           Não existe meio de interpretar os sonhos, exceto a faculdade clarividente (²) e a intuição espiritual do “intérprete”. Cada Ego sonha diferente dos demais.

           Podemos dividir os sonhos em sete classes.

                      1  Sonhos proféticos – são impressos na nossa memória pelo Eu superior. Podem ser vaticínios de futuros acontecimentos.

                      2  Sonhos alegóricos – confusos vislumbres de realidades captadas pelo cérebro e deformadas pela nossa fantasia.

                      3  Sonhos enviados por adeptos – pensamentos de mentes muito poderosas que se empenham em que façamos sua vontade.

                      4  Sonhos retrospectivos – de acontecimentos que pertencem a encarnações passadas.

                      5  Sonhos de prevenção – tratam de advertir a outros.

                      6  Sonhos confusos - já tratados anteriormente no texto.

                      7  Sonhos que são meras fantasias e imagens caóticas, devidas a deficiente digestão, alguma perturbação mental ou causas externas.

            Existe em nosso interior um mundo arquetípico, uma chamada ancestral para a perfeição, para o bem, para o amor.
            A concretização dos sonhos está regida também pela divisão septenária:

Plano

característica

Vontade

Impulso puro.

Intuição

Conhecemos as coisas sem intermediários.

Intelecto

Segundo os gregos, nos permite entender as coisas em sua profundidade.

Razão e desejos

Dualidade.

Mundo psíquico

Outros sonhos conformados por nossas fantasias. Relacionado com o mundo intuitivo, coroa outro mundo inferior, o da vitalidade.

Mundo da vitalidade

Todas as coisas têm um hálito de vida que as mantêm manifestadas

Plano da manifestação

 

           Neste mundo de arquétipos estão os sonhos que se vão concretizando até sua manifestação.
           Mas os sonhos, segundo os filósofos clássicos, não são produto dos homens, mas sim anteriores à existência desses homens. Os sonhos, como arquétipos, teriam existido desde o começo das coisas.
           Como se concretizam os sonhos? Primeiro se tem o ato de volição; logo se intui, sente-se que nosso Arquétipo está descendo, encarnando.            Em seguida vem a etapa de inteligir o sonho; então é quando a razão e o desejo entram em jogo.
           Quando já se pensou e desejou, então, psiquicamente, começa-se a conformá-lo. Ao desejá-lo através da repetição, empresta-se ao sonho uma vida, uma vitalidade que vai descendo.
           Às vezes pensamos que não são fáceis de realizar, há limitações, mas para isso é necessário exercitar a Vontade, o domínio sobre si mesmo, e também desejar as coisas.
           Precisa-se conectar com esse mundo espiritual, essa grande reserva que existe onde estão a vontade, a intuição, o intelecto.
           Ali vivem os nossos sonhos, nossos arquétipos, e os realizaremos agora ou em algum outro momento.
           Que possamos dizer humildemente: eu sou um homem, tenho sonhos, passam por meu interior vozes estranhas, há desejos inconclusos... posso sonhar algo que esteja acima de mim, sou um pouco da criação.
           Desse modo podemos chegar a sonhar com um homem novo, que não tenha nossas limitações.

___________
(1) Pesadelos podem ser causados pela dificuldade de respirar e criam sensação de opressão.
(2) É mediante o cultivo do poder denominado sonho que se desenvolve a clarividência

BIBLIOGRAFIA

Fonseca, Luis Carlos Marques. “Os sonhos e seus significados”. Caderno de Cultura nº 51.

Blavatsky, Helena Petrovna. “Los sueños según la filosofia esoterica”. Cuaderno de Oriente.

Livraga, Jorge Angel. “Como se concretizam os sonhos”. Caderno de Cultura nº 48.

Garcia-Roza, Luis Alfredo. Freud e o inconsciente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1996.

Peythiou, Catherine. "Os sonhos, a imaginação criadora". Caderno de Cultura nº 55.

(*) A autora é rofessora do Ensino Fundamental e de Língua Portuguesa e Literatura do Ensino Médio.
Esse texto foi apresentado na turma de Psicologia do “Curso de Filosofia à maneira clássica”, da Associação Cultural Nova Acrópole, no Largo do Machado, Rio de janeiro, em 2002.

Página atualizada em  11 de outubro de 2005

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