"LETRAS CLÁSSICAS ", POR HENRIQUE CAIRUS

Professor Dr., Coordenador do Departamento de Letras Clássicas da UFRJ (Pós-Graduação), ensaísta, poeta, editor de CALÍOPE: Presença Clássica, revista do Programa de Pós-Graduação em Letras Clássicas e do Dep. de Letras Clássicas da UFRJ. Na Internet, veicula a lista: PGclassicas - Pós-Graduação em Letras Clássicas - UFRJ e tem site pessoal: http://www.geocities.com/henriquecairus/

Coluna da segunda quinzena de agosto 2004
(próxima coluna: 04/09)

Olimpíadas e Congresso

Neste ano olímpico, em que a mídia mundial noticia todo o tipo de nescidade sobre o mundo antigo, a Grécia deixa temporariamente a marginalidade do universo dos assuntos relevantes, para ocupar uma das posições centrais no cotidiano das pessoas.

Gente que costuma olhar para os helenistas, latinistas e historiadores como seres abissais, extemporâneos e inúteis, de repente, coloca os temas eleitos – para toda uma vida – por essas estranhas criaturas nos meios de comunicação. E sem consultá-las.

Munidos de suas enciclopédias e de seus dados arrancados da internet numa busca rápida, jornalistas, comentadores de esporte e curiosos de toda casta distribuem informações sobre a mitologia, a história antiga e a cultura do povo grego antigo e moderno.

Mais do que o esdrúxulo das informações vulgarizadas pelo vulgo, há um outro fenômeno: o súbito interesse por temas que sempre foram menosprezados, até mesmo no meio das humanidades universitárias.

Lembro-me de quando, aluno do curso de grego da UFRJ, eu pegava diariamente carona com estranhos (sim, ainda se dava carona na década de oitenta). Naquela época era freqüente a pergunta: “você estuda o quê?”. Ainda incauto, eu respondia a verdade, e vinha indefectivelmente a segunda pergunta (ou suas variantes): “para quê?”. Logo eu aprendia a mentir, e, assim fui testando o prestígio dos estudantes de outras áreas. Felizmente nunca me perguntaram por que eu fazia coisas que eu não teria a menor condição de explicar.

Ninguém mais dá carona, eu já tenho o meu carango, terei de guardar a resposta, ou colocá-la aqui, sobre o forma desse primeiro artigo para o BLOCOS.

Em época de olimpíadas na Grécia todos querem ser, de alguma forma, gregos. A Grécia, então, passa ser essa estranha entranha da qual viemos e à qual voltamos pelas olimpíadas. É uma história de berço pra cá, pra lá, pai disso, mãe daquilo... É tanto berço, pai e mãe que acho que estamos fazendo psicanálise cultural pela TV.

Claro que há um aspecto muito positivo até mesmo nas besteiras que se ouvem. Parece que se recobra a consciência de sermos ocidente, e todo aquele papo de que o Brasil são apenas os índios – repetido ad nauseam para estragar a festa dos 500 anos de descobrimento – parece ter ficado para trás. De repente, somos apenas ocidentais, ou até mesmo europeus.

Isso é bom, claro, em vários aspectos. É bom para que olhemos de frente para esse patrimônio que o Brasil herdou (e adotou) e que constitui ou constituiu o referencial civilizatório no imaginário de nossa formação.

Embora não tenhamos tido nenhum contato direto com a cultura grega antiga, em nossa própria cultura pululam os marcos da presença da Grécia, quer na sobrevivência de elementos etimológicos (todos provenientes, na verdade, do latim ou do vocabulário tecnológico), quer na presença do classicismo como valor (da literatura à arquitetura, da música à ciência).

O Brasil amou e ainda ama – às escondidas – esse seu precioso patrimônio identitário, ao qual atribui – às vezes veladamente – valores capitais.

Movidos por essa axiologia do clássico tropical, um número considerável de especialistas em Antiguidade atua no Brasil. Muitos são, naturalmente, formados na Europa, especialmente na França e na Inglaterra, onde – mais do que na Grécia – os estudos sobre a Antiguidade ganharam peso inquestionável e justo reconhecimento.

A excelência desses pesquisadores brasileiros aos poucos vem sendo admitida no chamado antigo mundo, e livros e iniciativas de pesquisa de nossos patrícios vem tomando cada vez mais espaços nas prateleiras e nas universidades européias.

É sobretudo por essa razão que o Brasil foi escolhido para sediar neste ano o congresso mais importante do mundo na área de estudos clássicos. Esse congresso (www.fiec2004.ufrmg.br) acontece de quatro em quatro anos, e o anterior foi na Grécia e antes desse havia acontecido no Canadá, e tudo indica que o próximo será em Berlim.

Espero que esse prêmio de ter o congresso em nossas terras brasílicas sirva aos nossos especialistas de consolo pelo sofrimento de ouvir tantas impropriedades acerca de seus outrora vituperados objetos de estudo.

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