"LETRAS CLÁSSICAS ", POR HENRIQUE CAIRUS

Professor Dr., Coordenador do Departamento de Letras Clássicas da UFRJ (Pós-Graduação), ensaísta, poeta, co-editor de CALÍOPE: Presença Clássica, revista do Programa de Pós-Graduação em Letras Clássicas e do Dep. de Letras Clássicas da UFRJ. Na Internet, veicula a lista: PGclassicas - Pós-Graduação em Letras Clássicas - UFRJ e tem site pessoal: http://www.geocities.com/henriquecairus/

Coluna da segunda quinzena de setembro 2004
(próxima coluna: 04/10)

Primeiro um, depois o outro

Aprendemos a pensar o passado nos bancos escolares. É verdade que algumas casas brasileiras ainda preservam o bom costume de ouvir as histórias dos mais velhos, mas isso é cada vez mais raro. O velho sentado à lareira, do qual Benjamim falava com tanta familiaridade, é, ele também, uma figura de um passado preso aos livros.

Espantei-me – confesso – ao saber que o episódio do bota-fora de Collor já aparecia nos curricula escolares. O momento passa à história oficial com uma rapidez cada vez maior, e essa rapidez tem a ver sobretudo com a desimportância crescente da transmissão de informações entre gerações.

Mas nem tudo são espinhos na flor da realidade, e acabei por ser abduzido a uma percepção da informação histórica à qual não teria acesso senão por ter convivido com o passado ali representado.

No seio dessa percepção, ouvi ressoar os alvitres dos historiadores que vociferavam contra a incapacidade de complexificar-se minimamente a contemplação do passado, introduzindo-lhe, pelo menos, a noção de simultaneidade. É pouco, bem sei, mas já seria alguma coisa.

De fato, os livros escolares, seguindo uma tradição parcialmente abandonada em esferas mais elevadas do estudo, insistem em eliminar o Egito a partir do século de Péricles – quando passa a existir somente a Grécia (e clássica) –, assim como renovam sua crença de que essa mesma Grécia mantém-se, mais tarde, apenas pela presença de sua superioridade ´natural´ nas artes latinas!

É assim: cada hora uma ‘civilização'. Da Mesopotâmia ao Renascimento, as civilizações se sucedem no cenário da história universal dos bancos escolares e mesmo dos currículos universitários, onde especialmente a história antiga freqüentemente continua seguindo essa dura tradição.

É verdade que esse é um projeto utópico, o de subverter a ordem da sucessão das civilizações; mas não posso deixar de sonhar que seria bom lutar, desde a escola, contra uma visão reducionista de nosso maior legado, o passado. Principalmente se dessa luta não sair vitorioso quem queira suplantar os valores impostos por séculos de hegemonia de um modelo baseado no clássico comum, que nos torna a todos irmãos no ventre da ocidentalidade.

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