"LETRAS CLÁSSICAS", POR HENRIQUE CAIRUS

Professor Dr., Coordenador do Departamento de Letras Clássicas da UFRJ (Pós-Graduação), ensaísta, poeta, co-editor de CALÍOPE: Presença Clássica, revista do Programa de Pós-Graduação em Letras Clássicas e do Dep. de Letras Clássicas da UFRJ. Na Internet, veicula a lista: PGclassicas - Pós-Graduação em Letras Clássicas - UFRJ e tem site pessoal: http://www.geocities.com/henriquecairus/

Coluna da 1 ª quinzena março
(próxima coluna: 19/03)

Acima da ideologia: sobre conflito pseudo-ideológicos entre nascidos nos 80

    Na classe média urbana do Brasil, gerações jovens estavam e ainda estão divididos entre os modernos de esquerda e os demodês de direita. Esses últimos, tímidos e por vezes acuados, raramente faziam mais do que reproduzir intimamente posturas que representavam muito mais um discurso doméstico do que convicções pessoais.
    Havia e ainda há, no entanto, camuflado por entre o entusiasmo juvenil que pegou carona na ânsia por justiça social, uma violência mal velada que constrangia as opiniões divergentes, atribuindo-lhes as maiores vilezas.
    Essas vilezas a elas atribuídas renitentemente, contudo, não condiziam com o ambiente muitas vezes religioso e confortavelmente conservador de seus lares bem-intencionados, com os quais se indentificavam.
    O outro grupo, não raro, também habitava lares assim, onde ou escondiam suas veleidades revolucionárias ou as ostentavam com certa agressividade caseira.
    Mais do que posturas ideológicas, na maioria das vezes estava envoldido a perene desarmonia entre a ação e a contemplação, e, às vezes, entre a atitude e a inércia diante do regimento familiar ou mesmo diante do regime governamental.
    O que importa notar aqui, porém, é que havia uma agressividade recoberta de autênticas inquietações éticas, que, malgrado tivesse seu primeiro motor na força amorosa, nem sempre conseguiu evitar o prélio -- ostensivo ou oculto --  como conseqüência.
    Essa agressividade que brotava do desejo de justiça social, do ideal de igualdade, estranhamente vem sofrendo revides aos quais observo atônito e não sem uma certa revolta.
    Profetas quiçá inconformados com sua decadência atávica lideram esses movimentos de revide, seja pelo lado do conservadorismo geral (artístico, religioso, político, cultural), seja pela defesa das estruturas sócio-econômicas alvejadas pelos revoltosos de um passado não muito longínquo.
    Tais hegúmenos valem-se do espírito contra-revolucionário espontâneo de uma parcela considerável da juventude de classe média para implantarem seus argumentos fermentados ao longo de muitos anos na caldeira do ódio e do rancor.
     Os terríveis guias munem-se de  bases de aparência sólida, de vistoso verniz buscado nas Letras Clássicas, nos estudos medievais e sobretudo no percurso já tão conhecido e antigo, que parte de Plotino, passa pela tradição da Igreja e caminha, sempre com muita pressa, em direção aos neo-moralistas católicos do século XX, acampando, conforme convém aqui e ali, em pensadores economistas. Essa viagem pelo pensamento não é desaconselhável, mas não deixa de ser perigosa para o espírito jovem que a faz guiado pelas mãos pestilentas do ódio ou do desejo vazio da promoção pessoal.
    Quanto vale a palavra do jovem que hoje sabe latim ou grego? ou que leu Plotino? ou que leu São Tomás? Quanto vale essa palavra? O que pode essa palavra quando a esse verniz associamos alguns conhecimentos apologéticos de economia de mercado, somados de informações anti-marxistas?
    Pronto! Eis a milícia dos que invertem os passos de seus predecessores nos movimentos estudantis.
    Tudo estaria muito bem, penso, não fossem as motivações subjacentes tão comprometidas com o revanchismo pessoal de um ínfimo grupo que, no momento oportuno de suas próprias vidas, não tiveram para imporem-se a si mesmos no mundo o verniz com que querem adornar seus enfurecidos e copiosos epígonos.
    Finalmente, querida leitora, este articulista opina que da agressividade dos jovens da esquerda, com seus movimentos estudantis e suas bandeiras vermelhas agitadas, e uma parte significativa e crescente da juventude de hoje, municiada por uma súcia de ilustres peralvilhos, fica a perda do ideal republicano, substituído pela suposta justiça da seleção do mercado.
    Que lhes valha a sua própria lei: compre quem achar que valha, mas que esse 'valha' contenha os valores que aprendemos a reconhecer.

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