"LETRAS CLÁSSICAS", POR HENRIQUE CAIRUS

Professor Dr., Coordenador do Departamento de Letras Clássicas da UFRJ (Pós-Graduação), ensaísta, poeta, co-editor de CALÍOPE: Presença Clássica, revista do Programa de Pós-Graduação em Letras Clássicas e do Dep. de Letras Clássicas da UFRJ. Na Internet, veicula a lista: PGclassicas - Pós-Graduação em Letras Clássicas - UFRJ e tem site pessoal: http://www.geocities.com/henriquecairus/

Coluna da 2 ª quinzena abril
(próxima coluna: 4/5)

Dois poetas antigos: Meleagro e Catulo

                Não poderia faltar aqui, nas Letras Clássicas de Blocos, uma tradução de um dos poemas antigos mais traduzidos do mundo, o "Amemus mea Lesbia", de Catulo. Faço-o acompanhar, à guisa de dispensável introdução, por três epigramas de um autor contemporâneo de Catulo,  pouco traduzido e de inestimável valor estético: Meleagro de Gadara (c.130-60 a.C.). Desse último, diz-se ter sido autor da primeira "coroa". A mim, sua predileção por motivos entomológicos evoca-me a pulga de Donne.

                Deixo à minha leitora conclusões e analogias, mas não sem antes dizer que escolher esses três epigramas dentre tantos outros foi tarefa difícil, o que me desperta o interesse e o desejo de trazer a essa coluna mais epigramas desse autor que só agora — e muito por causa do louvável trabalho do saudoso José Paulo Paes — começa a ser conhecido.


Meleagro:

A.P.V,152

Antes venhas a mim, mosquito, veloz mensageiro, de ao pico
         do ouvido de Zenófila ires, e repita o que te digo:
“Insone ele te espera; e tu, displicente com quem te ama,
         dormes.” Vá, voa: sim, voa, cantor sem fama,
e fala baixo (cuida não despertar ao lado seu consorte
         e que não me atraias asssim, por ciúme, a má sorte).
Se me trazes a criança, darei a ti a pele da hercúlea caça,
         mosquito, e do divino herói a indelével maça.

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A.P. V,166

ah Noite, ah desejo por Heliodora, amigo do sono selvagem,
         ah masoquistas unhas nas costas sinuosas,
sobram restos de minha ternura ainda ? e, com a lembrança
         de um beijo, esquentai essa imagem fria? No leito, ela,
como eu, terá lágrimas por companheiros e só ao meu
         sonho sedutor no peito acolhe e beija?
Ou terá ela amor novo ? jamais, lâmpada, novos embates
         verás. que tu sejas para ela, e tal permito, a sentinela.

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A.P. V,176


Terrível Eros, terrível. Mas para que de novo dizer
         e, entre gemidos, redizer : “terrível Eros”?
Ri-se o menino, e, amiúde injuriado,
         compraz-se. Ofensas lhe são pasto.
É-me admirável como, nascida das glaucas
         ondas, Afrodite, geraste o fogo em brasa.

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CATULO:

Viuamus, mea Lesbia, atque amemus,
Rumoresque senum seueriorum
Omnes unius aestimemus assis.
Soles occidere et redire possunt;
Nobis cum semel occit breuis lux,
Nox est perpetua una dormienda.
Da mi basia mille deinde centum,
dein mille altera, dein secunda centum,
Deinde usque altera mille, deinde centum.
Dein, cum milia multa fecerimus,
Conturbabimus illa, ne sciamus,
Aut ne quis malus inuidere possit,
Cum tantum sciat esse basiorum.


Vivamos, minha Lésbia, e amemos,
e os rumores desses velhos severos,
todos nos valham um quase nada.
Podem os Sóis morrer e voltar;
mas nossa breve luz morre uma só vez,
uma só noite perpétua deve-se dormir.
Dá-me mil beijos, e depois cem,
e ainda mil outros, e mais cem.
Quando deles tivermos muitos milhares,
misturaremos todos, que não mais saibamos,
ou para que possa invejar nenhum infausto,
ao sabê-los beijos tantos.

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