JOSÉ NÊUMANNE
Jornalista, editorialista do Jornal da Tarde, comentarista da Rádio Jovem Pan e do SBT, poeta e escritor com diversos livros publicados, entre eles: Solos do silêncio – poesia reunida  e O silêncio do delator, que acaba de obter o Prêmio "Senador José Ermírio de Moraes", da ABL (clique no título da obra para ler a fortuna crítica).

Coluna de 28/07

 Rouba, mas lhe dá um bocadinho

    Os sindicatos não são propriamente o Paraíso proletário da Ética sem mácula

“Está para nascer alguém que venha discutir ética comigo”, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na posse do novo presidente da Petrobrás, em recinto fechado – a Refinaria Duque de Caxias (Reduc) –, a prudente distância de manifestantes indesejáveis que dele pudessem discordar.

Mas pode ser que haja alguém. Infelizmente para o presidente e para a Nação, que torce para que ele não tenha sido informado sobre os passos da camarilha que, ao tomar o poder, virou uma quadrilha, segundo o professor Demétrio Magnoli e a ex-juíza e deputada Denise Frossard (PSB-RJ), mas que, pelo menos, reconheça o mal que ex-companheiros de jornada fizeram a ele, ao PT e ao Brasil. O ex-guerrilheiro Paulo de Tarso Venceslau, que em 1995 denunciou um esquema de assalto aos cofres públicos das prefeituras petistas para engordar o “caixa 2” do PT, sob o comando de Roberto Teixeira, advogado, compadre e generoso senhorio (não cobrava aluguel do apartamento onde ele morava nem do sítio onde passava os fins de semana), tem o direito de achar que Lula, então presidente do partido, não fora muito ético ao não lhe dar ouvidos. Afinal, ele foi demitido pela então prefeita de São José dos Campos, Ângela Guadagnin, hoje na tropa de choque do “abafa” na CPI. E, um ano depois, expulso do partido, após ter tornado pública a denúncia, em entrevista a Luiz Maklouf de Carvalho, do Jornal da Tarde . O esquema que ele denunciou volta ao noticiário, tendo como protagonista não mais Teixeira, mas o solícito companheiro que lhe passava cigarrilhas holandesas acesas sob a mesa, Delúbio Soares, conforme demonstra flagrante reproduzido neste jornal, domingo.

A viúva do ex-prefeito de Campinas Toninho do PT, Roseana Garcia, também se pode achar no direito de lhe dar lições de ética. De fato, Lula não tem obrigação de crer nas dúvidas que ela nutre de que o marido tenha mesmo sido executado pelo seqüestrador Andinho , como acham o PT e a polícia de Alckmin, nem que seu amigo Jacó Bittar, ex-prefeito de Campinas cuja gestão Toninho investigava, tenha algo que ver com isso. Mas não receber dela o abaixo-assinado pedindo a reabertura das investigações não foi um gesto muito solidário do presidente. Talvez seu senso ético seja aguçado. Já o de justiça...

Com emoção idêntica à exibida em várias ocasiões por outros protagonistas do escândalo de que se pretende distanciar, Lula também lembrou: “Sou filho de pai e mãe analfabetos, minha mãe não era capaz de fazer o ‘o' com o copo. E o único legado que deixaram, não apenas para mim, para a família, era que andar de cabeça erguida é a coisa mais importante que pode acontecer com um homem e com uma mulher.” Com a frase o presidente demonstrou que, embora conte com o benefício da dúvida quanto à ética, tem a memória comprometida. Afinal, a imagem de seu pai que ele próprio transmitiu ao público eleitor foi a de um irresponsável que abandonou a família ao deus-dará. Seria injusto confundi-la com um legado, pois ninguém nega ser o presidente um bom pai. Haja vista sua frase ao saber que a Telemar andou injetando um dinheirinho na empresa do filho Fábio Luiz: “Não sei dos negócios de meu filho, mas ele jamais me colocaria numa fria.”

“Conquistei o direito de andar de cabeça erguida com muito sacrifício e não vai ser a elite brasileira que vai fazer eu ( sic ) abaixar minha cabeça” – esta foi outra frase forte do discurso na Reduc. Forte, sim, mas não exata! A elite o tem poupado o quanto pode, embora por razões que talvez digam respeito menos à admiração que tenha por ele do que ao temor de a política econômica passar para as mãos do vice José Alencar ou para o presidente da Câmara, deputado Severino Cavalcanti, caso se concretize a improvável hipótese do impeachment .

Para tanto essa elite, oposição tucana incluída, corre o risco de vê-lo mais quatro anos no poder, já que as pesquisas continuam a considerá-lo favorito à reeleição. Para se manter no posto, conforme mostraram o citado discurso e outro, feito no sábado no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, que presidiu, ele parece estar seguindo conselhos do marqueteiro Duda Mendonça para se comunicar diretamente com a grande massa pobre e desinformada. A tática pode ser fadada ao êxito, mas original não é. Muitos políticos de direita se locupletaram de um certo descaso ético de parte do eleitorado, deixando circular à boca pequena o célebre lema “rouba, mas faz”. A estratégia de usar o esquálido “mensalinho” do assistencialismo desabrido para evitar a condenação das massas miseráveis ao robusto “mensalão” dos políticos inescrupulosos também tem dado certo. E poderá lembrar uma paródia incômoda da frase que José Dirceu usava no tempo em que era o comissário-chefe do aparelhamento do Estado pelo PT: “Este governo não rouba nem deixa roubar.” Pelo visto, há quem no PT e no governo tenha roubado. E até agora tem ficado impune, contando com a tácita aliança com o lúmpen em troca das migalhas do banquete.

Na volta ao sindicato, berço político dele, de Silvinho Pereira, de Luiz Gushiken e de outros, entre eles o companheiro-problema Delúbio Soares, Lula não encontrará a virgindade moral perdida pelo PT. Afinal, o sindicalismo – aqui como em qualquer país – não é propriamente uma versão proletária do Paraíso da Ética sem mácula. Ele precisa de mais que isso para evitar que se fixe a idéia de que o “rouba, mas lhe dá um bocadinho” possa ser a versão de certa esquerda cínica para o “rouba, mas faz” da banda podre da direita.

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