JOSÉ NÊUMANNE
Jornalista, editorialista do Jornal da Tarde, comentarista da Rádio Jovem Pan e do SBT, poeta e escritor com diversos livros publicados, entre eles: Solos do silêncio – poesia reunida  e O silêncio do delator, que acaba de obter o Prêmio "Senador José Ermírio de Moraes", da ABL (clique no título da obra para ler a fortuna crítica).
Leia novo texto de Ronaldo Cagiano na fortuna crítica do autor

Coluna de 20/10

Uma livraria que se vende em bancas

Só pode ser muito bem-vinda esta Argumento - uma livraria em revista. Ela o seria de qualquer maneira, mas o é ainda mais nestes tempos de calóricos fast books. Perdoe-me o preclaro leitor esta intromissão das palavras em inglês, mas são elas que exprimem de forma mais exata essa mentalidade reinante do livro que vira hambúrguer num mercado editorial marcado pelo apetite e pela velocidade. Nele importam menos fortunas críticas e apenas listas de mais vendidos. Nada contra querer que um livro venda bem e, mais ainda, nada contra um livro que venda bem, mas, venhamos e convenhamos, não pode uma literatura, menos ainda uma cultura, viver na dependência de caixas registradoras.

Uma livraria que edita uma revista faz uma aposta no raciocínio, até na reflexão, antídoto eficaz para esses novos supermercados de livros em que Lavoura arcaica, o romance de Raduan Nassar, pode ser encontrado na estante reservada à jardinagem ou à agricultura, ao lado de O apanhador no campo de centeio, de J. D. Salinger. Ao editar uma revista com o título de sua livraria, o clã Gasparian, proprietário de uma casa editorial muito tradicional, a Paz e Terra, mostra o rumo que deveria ser seguido, não por todos, mas por alguns de seus colegas no ramo. Alguns comerciantes do setor editorial podem (e devem) prosseguir na rota que escolheram de vender um livro como se fosse um sabonete ou um maço de cigarros, mas há lugar para quem promove saraus, edita periódicos e seleciona seus vendedores entre profissionais capazes de indicar qual a melhor edição de uma determinada obra e de distinguir J. G. de Araújo Jorge de João Cabral de Melo Neto.

Saraus e Balzac - O número 7 drdda "livraria em revista’’ que me caiu às mãos indica a boa fórmula para o livreiro que se dispuser a incentivar a aquisição de conhecimento e o debate cultural em sua clientela. Nele, por exemplo, Ana Maria Machado, autora com mais de uma centena de obras publicadas, assina um editorial lamentando o pouco tempo que os "figurões de Brasília" têm ultimamente dedicado à leitura, mas também saudando os membros do governo que dão alguma atenção à leitura. Outra escritora, Heloísa Seixas, se sai bem na difícil tarefa de tornar letra de música e poesia gêneros sinônimos. Mesmo que sejam gêneros gêmeos, mas não idênticos, seu esforço não deixa de ser louvável.

Em agradável apresentação visual, esse número traz relatos de práticas de antanho que a Argumento e outras livrarias brasileiras deveriam adotar hoje, os encontros entre autores e diletantes da literatura, dos quais são dados dois exemplos: as domingueiras de Aníbal Machado, por Humberto Werneck, e os sábados no apartamento de Plínio Doyle (que geraram até um neologismo, o sabadoyle, por Sônia Doyle). Esses relatos fazem parte de uma seção, A arte do encontro, na qual também se insere uma reportagem de Maria Lúcia Rangel sobre encontros semelhantes promovidos por Oto Lara Resende em sua casa.

Uma orelha de Fernando Sabino para um livro de Henry James, uma palestra de Fernando Pedreira no Instituto Joaquim Nabuco, um ensaio do crítico Silviano Santiago, uma crônica de Alcione Araújo, artigos de Sílio Bocanera e Lúcia Guimarães, fotos de Tom Jobim feitas por Pedro, filho do "parceirinho" Vinicius de Moraes, colunas de Ruy Castro, Flora Süssekind, Luiz Ruffato, Roberto Marinho de Azevedo e Flávia Lins e Silva (sobre literatura infantil) completam o cardápio, que contém ainda tiras de Jaguar, material traduzido da The New York Review of Books, uma entrevista com colega livreiro e, entre outros acepipes, um excerto do romance As ilusões perdidas, de Honoré de Balzac. É ler e partir para conferir na livraria mais próxima. Qualquer uma.

Argumento - Uma livraria em revista - Número 7, Rio de Janeiro, 66 pp. R$ 5,00.

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