JOSÉ NÊUMANNE
Jornalista, editorialista do Jornal da Tarde, comentarista da Rádio Jovem Pan e do SBT, poeta e escritor com diversos livros publicados, entre eles: Solos do silêncio – poesia reunida  e O silêncio do delator, que acaba de obter o Prêmio "Senador José Ermírio de Moraes", da ABL (clique no título da obra para ler a fortuna crítica).
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Coluna de 29/3

Vício de vice

Vices estão na moda nestes prolegômenos da campanha eleitoral para a sucessão do presidente da República. O ocupante desse posto dito de expectativa de poder, o industrial têxtil mineiro José Alencar, mudou de legenda, embora tenha mantido o padrinho, o bispo Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, foi obrigado a se abrigar numa legenda nanica, o que torna inviável qualquer pretensão sua de permanecer à sombra de Luiz Inácio Lula da Silva. Este, aliás, não deve estar lamentando muito a defecção na chapa oficial. Se ajudou a temperar a ira petista com a benevolência do bom burguês, necessária para vender a imagem leve, livre e solta com a qual Duda Mendonça pintou a chapa para vencer as resistências de parte da classe média ao radicalismo de sindicalistas e ex-guerrilheiros, Alencar começou a criar problemas quando provocou a primeira rachadura da sólida aliança que havia do PT com a hierarquia católica, firmada desde as históricas greves do ABC. Ao longo do governo, Sua Excelência também se mostrou aquilo que o tradutor do livro de John Lennon chamou de “atrapalho no trabalho”: falou mal da política econômica o quanto pôde, sem refrescar nem depois de tornado ministro da Defesa.

Agora Lula e o PT namoram o PMDB que, diante das péssimas notícias para as hostes oficiais da contaminação da imagem do presidente com os escândalos de corrupção que completaram dois anos em 13 de fevereiro: nessa data a revista Época divulgou a existência de uma fita de vídeo contendo uma tentativa de achaque do subchefe da Casa Civil para Assuntos Parlamentares à época, Waldomiro Diniz. Mesmo sem até agora ninguém nesse caso, em que o réu confessou o crime publicamente, mas a Polícia Federal ainda não conseguiu produzir um só inquérito decente a ponto de ser aceito pelo Ministério Público, a verdade é que a popularidade do chefe do governo não caiu a ponto de se poder considerar favas contadas a decisão peemedebista de ter candidato próprio, o ex-governador fluminense Anthony Garotinho ou o governador gaúcho, Germano Rigotto. Se Lula continuar forte e voltar a ser favorito, a ala governista - liderada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), e seu antecessor José Sarney (AP) - pode passar a perna na cúpula que, liderada pelo presidente nacional, Michel Temer (SP) e abençoada por caciques como Orestes Quércia (SP) e Pedro Simon (RS) batalham pela candidatura própria.

Não se sabe ainda quem vai ser o adversário tucano de Lula na eleição de outubro, mas não é tão difícil adivinhar quem pode ser o vice. César Maia (do PFL), o prefeito do Rio de Janeiro, lançou-se à frente de outros pretendentes e, embora se tenha declarado pró-José Serra (prefeito paulistano), nada impede que venha a fazer dupla com Geraldo Alckmin (governador paulista), caso este seja o escolhido para a disputa. Situação mais confortável é a dos vices desse dois, pois pelo menos um deles sairá para a disputa federal e aí o PFL ganhará ou o governo do maior Estado da Federação com Cláudio Lembo ou a Prefeitura do maior município com Gilberto Kassab. Ambos são fiéis à ttradição de Marco Maciel, o senador pernambucano que foi vice de Fernando Henrique em dois mandatos, o mais pacato e inofensivo de todos os vices do Brasil: nenhum deles promete repetir a caturrice de um antecessor da mesma legenda, Aureliano Chaves, acusado de trabalhar demais quando o titular, o general João Figueiredo, teve de deixar o posto para ter o coração operado e, apesar de se orgulhar do desempenho escolar, nunca foi propriamente um viciado em trabalho.

A História republicana mostra que, por mais importante que sejam os acordos partidários para a composição de uma chapa competitiva, talvez seja bom de alvitre que os titulares, seja o presidente em busca da reeleição, sejam os oposicionistas interessados em desalojá-lo do posto, atentem para o fato que mais que expectativa, poder é vício para políticos, categoria na qual sempre se escolhem os vices.

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