JOSÉ NÊUMANNE
Jornalista, editorialista do Jornal da Tarde, comentarista da Rádio Jovem Pan e do SBT, poeta e escritor com diversos livros publicados, entre eles: Solos do silêncio – poesia reunida  e O silêncio do delator, que acaba de obter o Prêmio "Senador José Ermírio de Moraes", da ABL (clique no título da obra para ler a fortuna crítica).
Leia novo texto de Ronaldo Cagiano na fortuna crítica do autor e conheça a poesia do colunista, cujo CD agora tem opção de download.

Coluna de 11/5

Um prato por um voto

O marqueteiro eleitoral paraibano Carlos Roberto de Oliveira é autor de uma das melhores sentenças que conheço sobre a nossa democracia, meramente eleitoral, na qual o povo só tem poder e o exerce ao escolher seus representantes e governantes. Ao longo do exercício do poder republicano por estes, o eleitor nem fede nem cheira. Quando Maílson da Nóbrega era ministro da Fazenda, no governo Sarney, convocou o especialista para analisar suas chances de se eleger para a Constituinte. E Carlos encerrou a análise com uma pérola: “Eleição no Brasil, principalmente nas regiões pobres como o Nordeste, não é exercício de democracia, mas mecanismo de distribuição de renda”.

A distribuição de renda não é propriamente o forte deste País de distâncias sociais abissais e onde a concentração das riquezas, apesar de hoje estar desacelerando, é historicamente um vexame. É, portanto, uma forma perversa de farisaísmo inculpar o pobre que vende seu voto por um prato de comida. Se a eleição é um dos raríssimos momentos em que o pobre brasileiro encontra alguma forma de reduzir, ainda que seja só um pouquinho, sua miséria, por que não o faria? Esse farisaísmo, aliás, é uma tentativa calhorda de ocultar o verdadeiro vilão desta história: o político que compra o voto, principalmente quando o faz usando o dinheiro público.

A máxima do marqueteiro da Paraíba se repete diariamente no noticiário dos jornais nesta campanha presidencial. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem recorrido a esse mecanismo clássico de troca de um voto por um prato com uma desfaçatez que beira a candidez. No andar de cima, seu governo propiciou aos banqueiros a mais próspera temporada de todos os tempos. Em seus três anos iniciais, as cinco maiores instituições financeiras do Brasil lucraram 26% a mais que nos oito anos do governo Fernando Henrique, acusado de submisso aos financistas, por sua condição dita “neoliberal”.

Enquanto isso, para a mesa posta no porão o governo não se cansa de produzir bondades, da Bolsa Família ao aumento dos aposentados, passando pelo reajuste dos vencimentos dos servidores públicos e por outras medidas de alcance amplo e rápido, capazes de produzir um aumento de renda entre camadas desassistidas da população que tornam o candidato à reeleição o verdadeiro “pai dos pobres”. Essa tática de encher as burras dos bancos de dinheiro, ao mesmo tempo em que aumenta bastante a renda do mais pobre, esmagando a classe média e deixando que esta esperneie, até mesmo votando no candidato contrário a sua manutenção no poder (pois não tem número para superar a satisfação do lúmpen) torna o presidente o mais pragmático e menos escrupuloso político brasileiro da República. A quem imagina que fosse Getúlio Vargas, é bom recordar que este se suicidou numa pocinha de lama (a corrupção atribuída a seu guarda-costas, Gregório Fortunato, e a um irmão destrambelhado, Benjamin Vargas, o “Beijo”), enquanto Lula surfa num oceano de porcaria, favorito à própria volta.

O que a oposição desarvorada não consegue entender é que não é sensato contar com a reação indignada de um eleitorado que vende seu voto contra a compra dos votos dos parlamentares pelo “valerioduto” por meio do “mensalão”. Esperar a revolta do esfarrapado contra o roto é de uma estupidez de dar dó.