"NOZARTE EM BLOCOS", POR RICARDO ALFAYA

Ricardo Alfaya, Rio de Janeiro, 08.08.1953, formado em Direito e Jornalismo, é poeta, contista, cronista, articulista, ensaísta e editor do
Nozarte Informativo Impresso e Eletrônico. Blogue: http://nozarte.blig.ig.com.br

Coluna de 21/09
(próxima coluna: 21/10)

ALTERNATIVOS: DAS ORIGENS AOS DIAS ATUAIS

1) ALTERNATIVOS E IDEOLOGIA - De acordo com Carlos Alberto Rabaca e Gustavo Barbosa, a “imprensa alternativa” não configura fenômeno recente. Afirmam que “ela existe secularmente, sob várias formas”. Acrescentam ainda que caracteriza essa imprensa sobretudo o “descomprometimento em sua linha editorial, uma atitude polêmica e renovadora” (em “Dicionário de Comunicação”, Rio de Janeiro, Codecri, 1978, p. 255).

2) LITERATURA ALTERNATIVA – Ensaios de autores como Glauco Mattoso (“O Que é Poesia Marginal”, 2ª ed., Rio de Janeiro, vol. 43, col. Primeiros Passos, Brasiliense, 1982) e Leila Míccolis (“Do Poder ao Poder”, Porto Alegre, Tchê!, 1987), entre outros, mostram que a chamada “literatura alternativa” surge em decorrência de fenômenos como o movimento Beatnik, ainda nos anos 50, nos EUA, no qual pontificam escritores como Allen Ginsberg, William Burroughs e Jack Kerouac. Esse movimento tem seus desdobramentos e continuidade durante os anos 60, sobretudo com as passeatas pacifistas contra a Guerra do Vietnã e a ruptura em relação ao modo de vida tradicional por parte dos hippies (ver a respeito André Bueno e Fred Goes, “O Que é Geração Beat”, v. 130, col. Primeiros Passos, Brasiliense, São Paulo, 1984). Paralelamente, e em oposição ao espontaneísmo Beatnik, as associações, diretórios estudantis, sindicatos e outros grupos de influência marxista atuam fortemente no cenário. Trata-se, enfim, da eclosão de todo um sonho libertário que, embora talvez ilusório em quaisquer de suas vertentes, marca para sempre o período, desencadeando manifestos e propostas em todos os campos da arte e do pensamento.

3) A MORTE DOS SONHOS E A LITERATURA DE RESISTÊNCIA – Contra todos os sonhos, hipóteses, utopias e esperanças, erguem-se as mais violentas e tenebrosas sombras. No Brasil, como em vários países da América do Sul, são os militares que tentam impor um toque de silêncio geral. Quando o país vive a efervescência de um ambiente cultural nunca dantes sequer imaginado, um duro golpe acaba com a festa. Por trás dos panos, agindo veladamente, Tio Sam é o verdadeiro “senhor dos anéis”. Assim, a literatura alternativa no Brasil possui dois aspectos marcantes e, em alguns momentos, complementares: o primeiro, de crítica, vanguarda e invenção, no contexto de uma “contracultura” internacional, como bem observa a respeito Leila Míccolis; o segundo, após o golpe militar de 1964, manterá em alguns casos características do primeiro, mas se estenderá num sentido mais diretamente político em que “resistência” será a palavra de ordem.

4) DUAS VERTENTES PRINCIPAIS – Portanto, o movimento alternativo não segue direcionamento único, o que, naturalmente, reflete-se na imprensa dedicada à sua expressão e registro. Uma corrente nutre preocupação mais existencial, voltada ao desejo de vida individualmente rica, intensa, autêntica, na qual se valoriza também o sentido da autodescoberta. A outra, de natureza mais político-partidária, enfatiza o social, o coletivo, a necessidade de mudança na estrutura administrativa e econômica do País. Em cada uma dessas vertentes há várias nuances e muito comumente pessoas oscilam de uma para outra. Também se dá o contrário, isto é, a intolerância ou a dificuldade de convivência entre elementos das diferentes “tribos”.

5) ORIENTE - “Se oriente rapaz”, dizia, em 1975, a canção “Oriente” de Gilberto Gil, em álbum duplo (LP), dedicado à sua obra. Trata-se de uma regravação de sucessos. Logo, a música certamente é ainda anterior àquele ano (“A Arte de Gilberto Gil”, lado 2, m.4, Rio de Janeiro-RJ, Fontana, Phonogram, 1975). Todavia, a aproximação do Ocidente com o Oriente vem de bem antes. Começa com grandes artistas e pensadores, como o pintor Vicent Van Gogh (1853-1890) e o poeta Ezra Pound (1885-1972), no início da arte moderna. Mais adiante, estará presente na atitude Beatnik, nas propostas e músicas dos Beatles, no movimento hippie. Claro, imprescindível também referir Carl Jung, cuja psicologia, ao longo do século XX, desempenha papel fundamental para a aproximação.

6) COMUNIDADES ALTERNATIVAS - A experiência de fundar comunidades alternativas inspiradas nas ideologias anarquista e marxista surge ainda no século XIX. Várias delas são estudadas por Edmund Wilson, no famoso livro “Rumo à Estação Finlândia”, dedicado à análise dos “socialismos utópicos”. Nos anos 60 aparecem muitas tentativas da formação de comunidades independentes, no espírito anarquista-contracultural. Não tenho conhecimento de nenhuma que tenha sobrevivido. Por outro lado, no decorrer dos anos 70 e ao longo dos 80, das correntes existenciais, ligadas à sabedoria oriental, emerge uma nova proposta. Trata-se de opção profundamente mística, resgatadora também do ocultismo e do espiritualismo presentes no Ocidente durante o século XIX. Os seguidores, em maior ou menor grau, revelam-se ainda adeptos de um modo de viver mais “natural”. Tais grupos e pessoas são genericamente identificados como “esotéricos”. Alguns levam o novo sistema de vida às conseqüências máximas. Assim, nasce outro tipo de comunidade alternativa. Passado o “boom” inicial, ainda hoje nos chegam notícias da existência e continuidade dessa ou daquela. Entretanto, tudo de maneira vaga e esparsa. Além disso, várias terminam por integrar-se à vida econômica das cidades que lhes estão próximas ou mantêm intercâmbio com gente ou instituições que lhe são alheias, não sendo, portanto, de todo auto-suficientes. É o que acontece, por exemplo, em Alto Paraíso-GO, em que vários grupos esotéricos lá residem e trabalham, com o apoio da prefeitura local.

7) ALTERNATIVOS ESOTÉRICOS E COMÉRCIO – o movimento esotérico, também chamado de “Nova Era” propiciou o surgimento de muitas atividades profissionais nada ortodoxas. Também, de um jornalismo impresso. A maior parte das publicações do gênero segue o formato tablóide, associado há muito à imprensa alternativa. É comum afirmarem uma postura independente. E não há dúvida de que vários de seus artigos são polêmicos. Isso, e mais o fato de que tais jornais quase sempre são distribuídos gratuitamente, caracterizaria essa imprensa, de acordo com o aqui definido no primeiro tópico, como “imprensa alternativa”. Por outro lado, tais informes vêm em geral repletos de anúncios. Em alguns, são tantos que mal disfarçam ser a razão principal do veículo. O fato não surpreende. Embora tenham chegado num clima de espiritualidade e proposta alternativa, a verdade é que, desde o início, o comércio e as regras da economia de mercado se entranham no movimento. Aqui, vai menos uma crítica do que uma constatação e um lamento.

8) ALTERNATIVOS LITERÁRIOS HOJE – Não duvido que existam ainda outros gêneros. Porém, além dos vinculados ao esoterismo-naturalismo e mais alguns poucos em que prevalece o “jornalismo de opinião”, a outra forma de imprensa alternativa visivelmente existente nos dias atuais é a literária. Entretanto, não constitui movimento unificado, com proposta estética e conteudística convergente. Sob o rótulo de “alternativos literários”, abriga-se toda sorte de jornais, suplementos e zines. Alguns conseguem anunciantes e patrocinadores. Nenhuma crítica, aqui também, contra isso. Afinal, ao custo atual de impressão e correio, com a dificuldade em se conseguir assinaturas pagas, e, em geral, sem contar com qualquer auxílio das instituições governamentais, quem pode manter viva com tiragem expressiva e periodicidade regular uma publicação impressa?

9) IDEÁRIO MÍNIMO – No cabeçalho do número 123, junho de 2004, de um dos mais tradicionais alternativos literários “O Capital”, de Ilma Fontes, Aracaju-SE, persiste o subtítulo: “Jornal de Resistência ao Ordinário”. Logo abaixo: “Edição comemorativa ao 14° ano de circulação”. Dentro da diversidade que se tornou o mundo alternativo, ameaçado constantemente pela força devastadora de um sistema político-econômico perverso, resistir continua sendo a palavra de ordem. Não se trata mais agora, é certo, ao menos na América do Sul, do confronto com o “toque de silêncio”. Mas de resistir ao próprio imperativo ordinário que de mil e uma maneiras desestimula a continuidade do ideário. Precisamos, e como precisamos, de um ideário, mínimo que seja.

10) CONCLUSÃO – Na coluna de estréia (vide anterior) apresentamo-nos. Nesta, definimos melhor nosso tema. A partir da próxima, conhecedores das dificuldades encontradas até pelos que conseguem algum apoio ou subsídio, falaremos das inúmeras publicações, poemas e poetas, sem nos preocuparmos excessivamente com pormenores rigorosos no que concerne à aplicabilidade do termo “alternativo”. Mesmo porque, muitos deles amiúde transitam de um veículo para outro. Do mesmo modo, parece-nos lícito abrigar também suplementos e revistas oriundos de instituições culturais e educacionais, desde que abram espaço para escritores novos ou vinculados à literatura alternativa em sentido amplo. Obrigado e até lá.

Ricardo Alfaya, Rio de Janeiro-RJ, 01 de setembro de 2004.

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