"POETICIDADES E OUTRAS FALAS ", POR RUBENS DA CUNHA

Reside em Joinville, SC. Autor de "Campo Avesso" e "Visitações do Humano". Acadêmico de Letras. Escreve semanalmente
no Jornal A Notícia e coordena o Grupo de Poetas Zaragata. Na Web tem o e-book: "A busca entre o vazio", disponível para download,
na URL: <http://www.arcosonline.com/index.php?option=content&task=view&id=146&Itemid=>.

Coluna de 23/1
(próxima coluna: 9/2)

Da série: Pequenos diálogos

2 - Os Casais

 —  De repente, no último verão aquele frio desacostumado. Umas geadas por sobre o sentimento.

 —   Por que falar essas merdas? Fala que fodeu tudo, que tudo foi pro buraco do cu.

 —   Por que magoar minhas palavras com o lixo das tuas? Estou em sofrimento, não vês?

 —   Vejo! Vejo a falta que te faz um caralho, porra! Desencana, sai dessa de palavrinha bonitinha e vem pro abraço, vem pro colo do papai...

 —   Ta bom, eu vou, mas que me solfejam umas dores na alma, me solfejam.

 

 

II

 —   (ele) Encontrou?

 —  (ela) Ainda não, não sei onde coloquei, tava aqui ontem, hoje não tá mais, alguém deve ter pego.

 —   (ele) Não se pega um horizonte assim, também não se perde um horizonte assim, procura direito!

 —   (ela) Já procurei, onde foi que ele se meteu? Tantos anos cuidando, adestrando um horizonte e agora desaparece.

 —   (ele) Não começa a chorar, que não é com choro que ele vai aparecer.

 —   (ela) É porque não é o teu horizonte. Queria ver se você não choraria se perdesse?

 —   (ele) É, eu nunca perdi o meu, mas também nunca dei tanta importância. Acho que só vou sentir falta mesmo quando ele não tiver mais lá.

 —   (ela) Você não sabe o que é. Acostumar os olhos com um horizonte e sem mais nem menos perdê-lo. E se eu não achar esse? Imagina o trabalho que vai dar até encontrar outro?

 —   (ele) Pensando bem, acho melhor começar mesmo a chorar. Quem sabe teu horizonte não se compadece e volta para os teus olhos?



III

 —  Tô gorda.

 — É o espelho, troca o espelho que você emagrece.

 —  Você acha?

 —  Claro, amanhã a gente vai na loja, compra um espelho que vai te emagrecer uns 10 quilos

 —  Você acha que eu to assim gorda, 10 quilos a mais que o peso?

 —  Não foi isso que eu disse, você não entendeu... eu tava brinc...

 —  Brincando, seu cachorro? Brincando? Agora tá brincando, na hora de falar a merda, de me chamar de gorda, de fazer piada, não tava brincando. Não foi tu que carregou dois aqui dentro...

 —  Desculpa, você não tá gorda, eu é que to gordo, amanhã eu começo um regime. agora vem cá.

 —  Tá bom dessa vez passa. Dez quilos? Você acha mesmo que eu tenho 10 quilos a mais?

 —  Claro que não, agora dorme e pára de pensar besteira.

 

(...)

 —  O que você tá fazendo?

 —  Vou jogar essa merda fora, é claro que é esse espelho que tá me deixando gorda, vou jogar essa porcaria fora, agora mesmo.

 —  Você tá louca, isso é hora de tirar o espelho do quarto, deixa disso, amanhã você troca o espelho, deixa disso, temos que acordar cedo amanhã, vem pra cama, ou sai do quarto e me deixa dormir.

 

(...)

 —  Pronto. E agora? Tá mais magra com o espelho quebrado?

 —  Cala a boca e vem me ajudar a limpar essa bagunça.

 —  O quê? Você quebrou o espelho e agora eu tenho que limpar, mas nem morto.

 —  Cala a boca e vem me ajudar, a culpa é tua, foi você que disse que o espelho me engordava, não mandei falar besteira. Anda, vem ajuntar estes cacos, cuidado pra não se cortar. Antes de sair me deixa um cheque pra eu comprar outro espelho. O que você ainda tá fazendo em cima da cama?

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