"POETICIDADES E OUTRAS FALAS ", POR RUBENS DA CUNHA

Reside em Joinville, SC. Autor de "Campo Avesso" e "Visitações do Humano". Acadêmico de Letras. Escreve semanalmente
no Jornal A Notícia e coordena o Grupo de Poetas Zaragata. Na Web tem o e-book: "A busca entre o vazio", disponível para download,
na URL: <http://www.arcosonline.com/index.php?option=content&task=view&id=146&Itemid=>.

Coluna de 23/2
(próxima coluna: 9/3)

O desejo é um deus costurando a pele humana

Dia após dia, o desejo poetiza, escandaliza, culpa os poros. O desejo não pode parar. Entre o verme e o vírus, entre o cerne e a música, o desejo contabiliza suas vítimas. Homem. Mulher.

Homens não param, avançam, endurecem, dilatam pupilas, rasgam tudo com seus troncos desejos. Animais, ânimas, almas colhedoras de paixão, homens avessam-se, retorcem-se nos quadris, nos quadros, nos Goyas das fêmeas e de outros machos, que o desejo não enxerga o caminho. Anda apenas. O desejo no homem requer furor, faca, focinho de cavalo e rato. O desejo no homem não é difícil, não é Sartre ou Heidegger. É Napoleão, Alexandre, César. Nada de Pilatos, nada de fraquezas, muros, o desejo no homem é veneno, vento, mais que janela, porta, portal de saída branca, múltiplo, viscoso, rápido, réptil. O desejo nos homens carcome por dentro e por baixo. Não se eleva, não sublima, não discute. Quer, requer. Expele, espora. Galo, ginete, fogo. O desejo no homem consome, desgasta, desgosta, foge para se esconder entre pernas inéditas. O desejo no homem macula, pagina, confere aspereza e prazer. Não mede, não acaba, não sossega. O desejo no homem desenha suicídios e nascimentos.

Mulheres são calabouços, poços artesianos de desejo. Recôndito, ermo, distância. Sempre uma camada abaixo, sempre-viva, Medusa, Medéia. O desejo na mulher desopila, fundamenta. Concreto armado em nuvem. O desejo na mulher é lento, quente, ferve vermelhos, martela a carne até que o diamante se exale num espasmo. O desejo na mulher se iguala em ventre, em vértice, em sombra, quando feito por outra mulher, mas descasca-se em bétula, dália, lápide quando visitado por homem. O desejo na mulher vasculha, vasilha, varre facilidades. Ulisses em Joyce. Cantos em Pound. Farol em Virginia, o desejo na mulher não tem superfície. Palavra. Letra. Onomatopéia. Inversão administrada por noites e tempestades. Sempre coberto, sempre interno, o desejo na mulher liberta-se pouco porque sabe que seu vôo é um assalto violento, um susto cardíaco. Uma catástrofe de alegrias. O desejo na mulher é semeado em contrários. Peca e confessa. Resguarda-se e trai. Concede-se e vende-se. Esquina e curva. O desejo curva-se a si mesmo. Corta-se no caos. Chove enquanto estia-se nas planícies do ventre. Esteira profana, o desejo na mulher deita-se, sem dormir jamais.

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