"POETICIDADES E OUTRAS FALAS"
RUBENS DA CUNHA


Reside em Joinville, SC. Autor de "Campo Avesso" e "Visitações do Humano". Acadêmico de Letras. Escreve semanalmenteno Jornal A Notícia e coordena o Grupo de Poetas Zaragata. Na Web tem o e-book: "A busca entre o vazio", disponível para download, na URL: <http://www.arcosonline.com/index.php?option=content&task=view&id=146&Itemid=>.

Coluna de 23/5
(próxima coluna: 9/6)


Acasos, detalhes e demais insignificâncias

Vida. Palco. Estréia contínua. Dia após dia recebemos um destino inédito. Por mais que alguns teimem que está tudo traçado, ou que a rotina faça tudo parecer igual, a sucessão contínua de acasos que um dia oferece pode resultar em mudanças radicais na rota de cada indivíduo.

Vivemos sempre apenas com 50%, ou seja a cada decisão que tomamos deixamos uma parcela contundente de possibilidades para trás, para cada 'sim' que dizemos havia um 'não' como possibilidade. Escolher é perder, já diz a sabedoria anônima e popular. Adriana Calcanhoto tentou desobedecer esta lei da vida num verso da música “Sins”: “eu nunca faço escolhas, eu quero sempre tudo”. Interessante este poder, mesmo que irreal, contraditório, querer sempre tudo já uma escolha que tem como perda a possibilidade de não querer sempre tudo. Esta pequena irritação de querer sempre tudo, de não fazer escolhas anestesia nossa impotência, pois imaginar que se tenha este poder sobre o acaso é muito bom, mas o acaso é maior, bem maior que toda a arte humana. O acaso tem inevitavelmente dois lados, um deles sempre nos é negado.

O acaso é o grande general de nosso destino. É um estrategista que gosta das pequenas insurreições, dos pequenos estragos. Situações que parecem ínfimas, insignificantes, mas que expõe nosso absoluto descontrole sobre a vida. Pequenos esbarrões constrangedores. Perder um ônibus, parar na frente de uma vitrine dois minutos, passar o sinal amarelo, mudar de restaurante, de prato, de mesa. Tomar fanta em vez de coca-cola, não atender o celular, não olhar os emails, comprar uma revista de cinema, pode desvirtuar ou salvar toda uma existência. Atravessar uma rua pode ser o motivo do encontro com o grande amor. Não atravessar talvez seja o motivo de um atropelamento mais tarde.

O humano gosta da grandiloqüência, do espetáculo, daquilo que comove realmente e tem o costume de esquecer o detalhe. Esquece que é no detalhe que reside o grande mistério da vida. Esquece que somos constituídos por e para os detalhes.

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