"POETICIDADES E OUTRAS FALAS"
RUBENS DA CUNHA


Reside em Joinville, SC. Autor de "Campo Avesso" e "Visitações do Humano". Acadêmico de Letras. Escreve semanalmenteno Jornal A Notícia e coordena o Grupo de Poetas Zaragata. Na Web tem o e-book: "A busca entre o vazio", disponível para download, na URL: <http://www.arcosonline.com/index.php?option=content&task=view&id=146&Itemid=>. Blog "Casa de Paragens": <www.casadeparagens.blogspot.com>.

Coluna de 9/3
(próxima coluna:23/3)

A descoberta

Descobrir um poeta novo, ou melhor, nunca lido, é sempre um contentamento. Leitor de poesia é bicho arqueólogo, gosta de escavar, de encravar-se no mundo dos poemas e de lá retirar alimento. Às vezes, vicia. Tem nos olhos apenas a nova descoberta. Tudo que o autor diz é perfeito, dialoga integralmente com sua alma. Não há falhas, pode haver poemas que lhe caiba menos, mas nunca há poemas ruins. Quando um leitor de poesia descobre um autor novo, ama todo o poeta, suas envergaduras, seus descabimentos. Ninguém mais lhe diz nada pois só ouve aquele que acabou de descobrir.

Depois, o leitor começa a ter uns aprochegos no espírito, percebe as seduções do costume, lá está ele escavando de novo. Atrás de versos, estrofes, rimas que lhe traduzam a nova sede. Na verdade, a sede é a mesma, apenas aumentada, sentida por outro poro, e é preciso beber em novo rio. Isso não quer dizer que o leitor de poesia esquece de seus antigos achados, apenas gosta do novo, do inédito, da surpresa. Todo leitor de poesia é um receptáculo sem fim, fundo, medida. É assim porque mantém a chama acesa: cada novo nome, cada título ainda não visto, lhe é agradável.

Ser assim tem seus percalços. Na busca, esbarra-se em muita embromação, pretensão, falsos escritos. Na busca, se encontra muita língua estrangeira, maltratada, desprezada dentro do próprio idioma. O leitor de poesia quer aquilo que o complemente, que vasculhe seus dentros.

Sou desses: inquieto, visceral na busca de novos poetas, às vezes nem tão novos, às vezes revelados só para mim. O que importa é que eu aconcheguei um poema no colo e ele confiou em mim. Saiu de seu dono e veio morar comigo, dizendo-me: ‘agora sou teu, cuida de mim'. Tenho muitos filhos, cabem em meu coração milhares de outros. O último que entrou aqui em casa foi o poema “O Tímpano e a Pupila” de “Luiz Miguel Nava”.

O TÍMPANO E A PUPILA

Num dos pratos o mar, no outro um rio, agora
que o tempo se desossa,
que as pedras
que piso se me enterram na memória e os caminhos
se me aguçam na alma como lâminas, o pão
molhado nas feridas,
o pão

ele próprio já também uma ferida, agora
que o tempo, que já tanto
compararam a um rio, mais
não é do que uma leve exsudação nos muros,
nas mãos, agora

que o céu se encrespa e que pedaços
de mundo arremessados
com toda a força aos olhos revolteiam
na treva antes de se extinguirem,

mais magro do que a neve
caminho, a alma aberta como uma ferida,
ao longo da memória, onde se fundem
o tímpano e a pupila.

Este poema está me alimentando, este poeta, Luiz Miguel Nava está na ordem do dia, atuando como meu novo amor, meu novo objeto de desejo.

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