A ESTÉTICA DA CONTINGÊNCIA
uma estética dos outros sentidos

" O Perfume - História de Um Assassino", de Patrick Suskind, fez que, através da vida de Grenouille, personagem dotado de extraordinário olfato, se tenha a reconstituição da França do século XVIII, por meio do sentido olfativo. Suskind cheirou inteiramente a França antiga. Pois há um projeto do Departamentos de Sociologia e Antropologia e História da Arte da Universidade de Concordia, Montreal, dedicado a explorar o papel da proximidade dos sentidos - o cheiro, o gosto, o toque - na arte e estéticas do Ocidente e Oriente. O projeto é desenvolvido por uma equipe de pesquisadores conhecidos como o " Concordia Sentidoria Research Team", ou CONSERT.

Devido à ênfase visual na história da arte Ocidental, os outros sentidos - como os de "proximidade" - foram marginalizados do discurso estético. Apesar de tal "marginalização oficial", porém, esses sentidos têm tido importante papel nas estéticas da cultura popular, como na prática das "artes manuais", no tecer, no esculpir, e nas estéticas multi-sensoriais do carnaval.

A aparência da arte formal, quase sempre visual, foi posta em crise por vários artistas do Século Dezenove, quando tentaram trazer os sentidos não-visuais para a arte, tal como nas estéticas de culturas não-ocidentais, onde cheiro, gosto e toque são mídia da expressão artística.

O CONSERT pretendeu aumentar os modelos convencionais do estético e trazer à luz aspectos suprimidos da experiência estética investigando a elaboração do valor da proximidade, sentida nas diversas culturas e classes sociais. Esta investigação constituirá o primeiro estudo que verifica o desempenho do cheiro, gosto e toque na arte.

Nos anos recentes, houve muito interesse na verificação social dos sentidos em períodos e culturas diferentes. A literatura deste assunto usou a multiplicidade dos modos nos quais a percepção não só serve para juntar dados de sentido, como também um veículo para a apreensão de valores culturais. Porém a maioria dessa literatura, particularmente dentro do campo de história de arte, se concentrou na elaboração cultural do sentido da visão, excluindo os outros sentidos (Hal Foster, ed., "Vision and Visuality"; Jonathan Crary, "Techniques of the Observer: On Vision and Modernity in the Nineteenth Century", apud CONSERT). 

O papel potencial da proximidade na produção e avaliação de arte foi em grande parte negligenciado devido ao preconceito, existente há muito na cultura e filosofia Ocidentais, de que os sentidos "mais baixos" não podem ser mídia de experiência estética (Kant).
Mas, excluídos da estética da "alta cultura", cheiro, gosto e toque permaneceram vitalmente importantes na cultura popular. Vários estudos exploraram a vida da proximidade no imaginário popular, desde o Renascimento até o Século Dezenove (Mikhail Bakhtin, "Rabelais and his World"; Stallybrass and White, "The Politics and Poetics of Transgression"; A. Corbin, "The Foul and the Fragrant", apud CONSERT).  Tais estudos indicaram que a experiência da plenitude multisensorial da feira e do carnaval - junto com o trabalho manual da vida cotidiana - formou um elemento crucial nas estéticas da classe trabalhadora.

No Século Vinte a distinção entre estéticas da alta cultura e do gosto popular continua manifestando-se em muitos casos, como uma distinção entre os "sentidos mais altos" e os "mais baixos": a racionalidade visual e a sensação visceral (Pierre Bourdieu, "Distinction"; Anthony Synnott, "The Body Social", apud CONSERT).

Desafiando preconceitos da história da arte, vários artistas e escritores, desde o Século Dezenove, se interessaram na possibilidade de utilizar os sentidos de proximidade. Por exemplo em 1836, Theophile Thoré escreveu, em "L'Art des parfums", em que é possível expressar-se tudo através dos perfumes, tanto quanto com linhas e cores. Isso pode ser verificado na obra de um artista superdotado como Yves Saint Laurent que, além de ser bom desenhista, expressou-se em perfumes. Theophile Thoré tentou, depois, verificar essa teoria na prática dos simbolistas, interessados que foram nas sinestesias e correspondências sensoriais.

No Século Vinte, os Futuristas utilizaram símbolos multisensoriais e inventaram tipos de arte para os sentidos de proximidade, como Marinetti, em "O Livro de receitas futurista", ou o best-seller "O Perfume - História de Um Assassino", de Patrick Suskind que, da vida do olfato de Grenouille faz a reconstituição da França olfativa, a França dos bons perfumes.

" Voltar