Crônica de Rogel Samuel 
Rogel Samuel é Doutor em Letras e Professor Aposentado da Pós da UFRJ. poeta, romancista, cronista, webjornalista.
Site pessoal: http://www.geocities.com/rogelsamuel

JEREMIAS E OS MORTOS DA BAIXADA

"Na sexta-feira, 1 de abril de 2005, chacinas no Rio podem ter matado 41 pessoas. Foi uma das madrugadas mais sangrentas no Estado. Noticiários transformados em plantões policiais.

"A esperança mói.
A esperança dói."

Escreveu Cassiano, em "Jeremias sem chorar".

* * *

Antes da queda do muro de Berlin, estava eu em casa do Lothar, na Mendelsonstrasse, em Frankfurt. Via tv todos os dias, fora estava frio. Comentei, para ele: "Não vejo notícias de crimes, por aqui". Ele retrucou: "Não há, não. Uma associação de consumidores impôs, em ação na Justiça, que não se divulgasse isso".

- Por quê? Perguntou o senso comum brasileiro. Não fere a liberdade de imprensa?

- Não, disse ele. A media tem de estar a serviço da população...

- Mas a população não deve ser informada sobre o perigo?

- Não é o caso, argumentou ele. Se há um assassino, ou uma quadrilha solta na cidade, não é meu problema, mas da polícia, cabe à polícia prendê-lo. A polícia tem o dever constitucional de proteger-me, e para tal é paga. Quanto à imprensa, não tem o direito de aterrorizar-me.

Calei-me.

* * *

Pareceu-me ter um ar
de abismo, não obstante alva
e limpa como uma estrela -

* * *

Cassiano Ricardo, dos maiores poetas do Brasil. Sob certos aspectos, o maior de sua geração, na técnica, na variação de sua poética, "renovando a poesia", disse Cabral. Sobre ele, Oswaldino Marques escreveu o clássico da crítica literária brasileira: "O laboratório poético de Cassiano Ricardo".

* * *

Lembra Oswaldo Mariano a observação de Mestre Alceu de que Archibald MacLeish escreveu que o poema deveria ser um "globe fruit", integrado no "pensamento planetário", na era cósmica. Por isso, diz o autor do prefácio, no livro predomina "a esfericidade semântica", e a rima "esfera"e "espera". Ou em "Os sobreviventes":

Milhões de crianças chorando
na noite esférica.
Por que choram?
Não são
elas que choram.
É o futuro.

* * *

Escreveu Archibald MacLeish:

Haverá pouca coisa a esquecer: 
o vôo dos corvos, 
uma rua molhada, 
o modo do vento soprar, 
o nascer da lua, o por-do-sol, 
três palavras que o mundo sabe, 
pouca coisa a esquecer.   

* * *

Em "Os que virão depois", diz Cassiano:

não os sobreviventes 
que hoje usam máscaras
        pra fingir de vivos

não os que poderiam
 ter morrido esta noite
sob a chuva de sol
                        nuclear

mas os que acordarão
           como pássaros
 que anunciam o amanhe-
                   cer

sem nenhuma surprêsa
   de ainda estarem
                    vivos

* * *

É assim na tradução de Bandeira.
É assim nos mortos da Baixada.

* * *

Sim, acordar. Como os pássaros. Mas sem nenhuma surpresa acordaremos vivos, sem a esperança que dói. O mundo que mais parece abismo, uma estrela branca, pairando no ar. Quando morrer esquecerei de tudo, e todos me esquecerão. Haverá, de pouca coisa a esquecer, quase nada: o fracos poucos versos que fiz, os romance que construí, essas minhas crônicas. Pouca coisa. Três palavras que o mundo sabe. Para mim, será bem mais difícil esquecer: meu amor fracassado, minhas impossibilidades, meu caso perdido. Acordar, renascer? Não creio. Meus olhos fechados sob a campa. Não verei nem o nascer da lua, nem o por-do-sol.

A chuva pinga, na argila rasa.

VEM AÍ O ROMANCE DE ROGEL SAMUEL "O AMANTE DAS AMAZONAS", SEGUNDA EDIÇÃO, EDITORA ITATIAIA.

Este romance, baseado em fatos reais, históricos, conta a saga do ciclo da borracha, do apogeu e decadência do vasto império amazônico na maior floresta do mundo. Cerca de cem volumes da época foram lidos e mais de dez anos de trabalho necessários para escrever esta obra.

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