Simone Salles

Simone, Si, é jornalista e escritora, trabalhou em jornais e revistas da grande imprensa, como Jornal do Brasil, Folha de São Paulo e Correio Braziliense. Morou em Brasília 14 anos, onde também foi secretária-adjunta de Comunicação Social do Governo Cristóvam Buarque.


Coluna de 6/6

(próxima coluna 16/6)

Conversas escritas

Cartas são conversas escritas. Por vezes, desabafos, confissões. Em outras, simples e descompromissadas observações sobre a Vida, o cotidiano. Pousamos nosso olhar sobre os humanos e suas contradições. Peculiaridades e particularidades, manias e cismas, certezas e dúvidas. Quem não as tem? Comentamos o mundo  que habitamos. Seus caminhos e descaminhos. Atalhos e bifurcações, que surgem em nossas estradas.

Nessas encruzilhadas temos de optar. Impossível ficar estático. Indefinidamente imóvel. Perpetuamente indeciso. Falamos-escrevemos, então, sobre nossas decisões - fadados que estamos, por toda a vida, a fazer opções. Para a direita? Para a esquerda? Seguir em frente, sem olhar para trás, como Ló? Ou desistir e voltar ao ponto de partida? Recomeçar a jornada pelo mesmo caminho, trocando os atalhos? Ou experimentar, arriscar-se por outro, mais longo e árido? Desconhecido? Escolhas. Constantes e inevitáveis escolhas.

Nas cartas, palavras escritas sussurram confidências. Falamos-escrevemos nossos mistérios. Ouvimos-lemos segredos. Partilhamos enigmas na busca por respostas. Tornamo-nos a Esfinge do outro. “Decifra-me ou te devoro”. Removemos, deliberadamente, correntes, trancas, cadeados. Libertamo-nos pela distância, pelo aparente silêncio que envolve o ato de escrever.

Silêncio esse absolutamente falso. Pois que, por dentro, somos uma incessante balbúrdia de sons-sentimentos. Em certos momentos, pura sinfonia. Em outros, a dissonância prevalece. Certo é que abrimos nossas portas e janelas. Permitimos que a luz invada salas e quartos, sótãos e porões. Expomos mente, coração e alma ao outro. Sem vergonha. Sem medos. Sem restrições. Descaradamente. Indecentemente. Despudoradamente. Como deve ser entre Amigos.

Ou, somente, rimos juntos. De tudo. De todos. E, sobretudo, de nós mesmos e das nossas sempre terríveis e irremediáveis angústias existenciais. Ignorando a ausência física e a distância, multiplicamos alegrias e dividimos tristezas. Repartimos e compartilhamos a Vida e tudo o que Ela É e representa. Seus aclives, seus declives. Seus planaltos, suas planícies. Seus oásis, seus desertos. Suas retas, suas curvas.

Quantos dramas desfizeram-se ao ouvirmos-lermos uma simples (?!) palavra escrita por alguém que nos tem afeição? Quantas fantasias catastróficas destruímos ao ouvirmos-lermos uma simples (?!) palavra escrita por alguém que nos tem carinho? Quantas ilusões de infelicidade demolimos ao ouvirmos-lermos uma simples (?!) palavra escrita por alguém que nos tem apreço? De quantas tristezas e melancolias fomos resgatados ao ouvirmos-lermos uma simples (?!) palavra escrita por quem nos ama?

Cartas...

Adolescente, aguardava o carteiro com ansiedade. Devorava as dezenas de cartas de amigos, com quem mantinha caudalosa correspondência. Guardava-as todas com carinho, numa caixa de papelão, decorada amorosamente. Todas separadas por remetentes, unidas por laços de seda e escondidas de olhos curiosos. De tempos em tempos, lia e relia aquelas palavras. Tenho-as até hoje. Não mais na caixa de papelão. O Tempo e suas traças incumbiram-se de desintegrá-la. Conservo, porém, esse tesouro num pequeno baú de madeira, feito por mim, trancado a sete chaves. Onde? Ora! Em local incerto e não sabido. Muito bem escondido, como todo tesouro que se preze.

Adulta, guardo as cartas - mensagens trocadas com antigos e novos amigos. Já não há o romantismo da palavra manuscrita, do selo no envelope, da fita de seda. Os tempos mudaram é obvio. A tecnologia invadiu, de forma irrecorrível, nossas vidas, nosso cotidiano. Imprescindível adaptarmo-nos. Agora são arquivos guardados em pastas na memória do computador.  O cuidado e o carinho são os mesmos de outrora. Cartas-mensagens-arquivos resguardados por senhas. Protegidos por programa especiais. Tão especiais quanto as preciosidades que preservam.   

A essência dessa troca, no entanto, permanece. A reciprocidade permanente, constante, insubstituível de sentimentos e emoções. Afetos,  segredos, carinhos, confidências, mistérios  e amores compartilhados em palavras escritas.

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