"DIVERSOS CAMINHOS EM BLOCOS", POR ZANOTO

Jornalista famoso do Correio do Sul (Varginha/MG), desde 1950 mantém a coluna lítero-poética "Diversos Caminhos" naquele jornal.
Manteve coluna em Blocos Online de janeiro de 1998 a dezembro de 1999, e agora retorna à Internet, novamente através de nosso site.
C. Postal, 107 - 37002-970 Varginha/MG

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Coluna de 15/3
(próxima: 15/04)

1. QUADRINHA DO TEMPO

Francisco Miguel de Moura (Teresina/PI)

Hoje é ontem de amanhã,
Amanhã, ontem depois:
Ontem já foi amanhã
Hoje é maior — porque os dois.

2. Sei lá, mas um amigo meu me disse, ontem à tarde, que o entusiasmo dos espectadores, hoje em dia, não tem limite.
Rodolfo Serkin buscou, em Roland Barthes, e sentenciou: não são absolutamente fundadas as relações homem/mulher, do homem e da mulher, na "alteridade dos sexos". Para Barthes, aliás, "macho e fêmea são figuras morais". Arline Barros acredita que viu algo semelhante em Sartre. Será verdade que a HISTÓRIA é macho?

3. Hoje de manhã me lembrei mais uma vez, que desde a década de setenta eu pensava (e ainda penso) ler "Autran Dourado (Uma leitura mítica)", de Maria Lúcia Lepecki. Autran Dourado, um excelente ficcionista mineiro, sempre foi leitura de minha preferência. O citado livro de Maria Lúcia Lepcki, editado pela Editora Quiron (76), conquistou o Prêmio Nacional Crítica Literária da Fundação Cultural do Distrito Federal, por ocasião do XI Encontro Nacional de Escritores. Os atributos narrativos de Autran Dourado são inúmeros. Às vezes, quem sabe, eu consiga esse livro.

4. NO TEMA (poema de Jean Paul Mestas (França) traduzido por Fernanda Barbosa): "Como tornar a chamá-lo?/ Não terá havido entre nós/ mais do que uma orquídea dissimulada,/ um lagarto suspicaz/ e o muro que se desfazia em ruínas/ num jardim deserto mas cheio/ das nossas urtigas sem vergonha."
"Se as indústrias buscassem/ matéria-prima/ nas cores do crepúsculo" (Gabriel Nascente/Goiânia (GO).

5. Então escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra. Quando essa não-palavra morde a isca, alguma coisa se escreve." (Clarice Lispector). Benedito Nunes destacou, extraído do livro de Clarice "A paixão segundo GH", esta quase orientação estética: "Manifestar o inexpressivo é criar"...

6. INVENTOR DO RESTO

"sebastião g. foi cagador de moitas.
alevantino de bandeiras. pavilhão erguido
em clubes, cerca de trem doido. ora foi.
maldade ampla e reticência surda."

(Romério Rômulo)

7. "(...) De forma muito singular, a poesia adeliana interliga o erotismo dos corpos, o erotismo dos corações e o erotismo sagrado, transmitindo-nos a convicção de que todo erotismo é sagrado e um sentir-se à vontade, ao ratificar a profecia: "Um dia veremos Deus com nossa carne." (Adélia Prado — "O coração disparado") - in "Dimensões do erotismo na poesia de Adélia Prado", de Angélica Soares (UFRJ). "Não tem mar, nem transtorno político,/ nem desgraça ecológica/ que me afaste de Jonathan (...) Quero ver Jonathan/ e com o mesmo forte desejo/ quero adorar, prostrar-me,/ cantar com alta voz "Panis Angelicus"./ Desde a juventude canto./ Desde a juventude desejo e desejo/ a presença que para sempre me cale"... (Adélia Prado).

8. Na casa de meu pai tinha muitos livros. Me lembro que os primeiros que me interessaram foram os de Eça de Queiroz e Miguel Torga. Posteriormente,
Alexandre Herculano. Meu pai viajava ao Rio de Janeiro e S. Paulo, ele tinha comércio, e trazia alguns livros, geralmente de autores portugueses. Ele era português. Quando eu ia para o meu quarto, sempre levava para ler "O crime do Padre Amaro", de Eça de Queiroz, li duas vezes.

9. MULHER-OBJETO

Ricardo Alfaya

Fantasmática criatura
camisola de seda branca contendo
oxigenada loura lírica de olhos azuis
cílios piscantes em sinais insinuantes
embalada para viagem discreta
no fundo falso secreto do corpo
de borracha inflável mulher
com três perfeitos orifícios
abertas pernas MADE IN USA
aceitando todos os cartões de crédito
falando e fazendo papai-e-mamãe
em seis idiomas castiços e mais
Friamente fogosa oferece-se na madrugada
às duas da matina num site pornô.

10. Sim, eu sonho. Sim, tu sonhas. Sim, todos nós sonhamos. Dizem que sonhar não paga imposto. Por dentro, prefiro um sonho clássico, um sonho da Grécia antiga. Um sonho de Atenas. Este sonho, eu ficaria muitíssimo satisfeito se o Sul de Minas se encarregasse de realizá-lo. Seria como encontrar o amor vivo, feliz e grandioso num mundo grande, muito vivo e no mundo inanimado. É como disse Teillard de Chardin: "Temos necessidade, não de um frente-a-frente, nem de um corpo-a-corpo, mas de um coração-a-coração."

11. "Quinhentas e cinqüenta e cinco peças/ perfazem as sonatas de Scarlatti./ Nivelam-se, em altíssimo quilate,/ à Nona, à Mona Lisa, qualquer dessas.// Farei tantos sonetos? Não mo peças! (...) Já fiz mais que Camões, mais que Petrarca: (...) Poeta que for cego, mudo ou mouco/ compensa a privação com a fuzarca: / diverte-se sofrendo. É glauco. É louco." (Glauco Mattoso, fragmentos do "Soneto Kármico", do livro PANACÉIA — sonetos colaterais).

12. "Não dando a seu semelhante a metade da atenção que dá a seu papagaio, o poetastro tornou-se inferior a si mesmo, ao só tomar como sincero o afeto que recebe de seu pássaro." (Brasigóis Felício) Você, por exemplo, nega a capacidade das pessoas existirem fora de seus corpos? Isto ocorre, é claro, se você rejeitar (ou rejeita) a idéia de que "existem substâncias mentais." Diariamente, quando eu ia para a redação do Correio do Sul, em razão dos meus Diversos Caminhos, eu via o homem na janela, sempre olhando a rua e as pessoas passantes. Tinha cara de bobo e retardado. Devia ser um bom homem. Veio-me de repente à lembrança a sua cara na janela. Nunca o vi com um cigarro na boca. Não quero mentir: mas por dentro eu implicava com sua postura sempre à janela de sua casa, devia ser a sua casa. Nunca o vi rir. Acho que não ria. Como personagem, talvez eu o retratasse como uma figura fantástica. Ultimamente, passo ali em frente à sua casa todos os dias, exceto sábado e domingo, e não o vejo mais. O que teria acontecido com ele?

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